Rei da Frígia que se envolveu em dois episódios bastante populares. No primeiro, o deus Apolo e Mársias, afamado flautista, compareceram ao monte Parnasso para participar de um concurso que escolheria o melhor músico. As nove musas, convocadas para arbitrar a questão, declararam o deus vencedor mas Midas, presente à assembleia, discordou da decisão. Apolo, para vingar-se, fez crescer-lhe enormes orelhas como de asno.
Com grande cuidado, o soberano ocultava tal deformidade cobrindo as orelhas com um gorro. Seu barbeiro, único a saber do assunto, não se conteve e abriu um buraco na Terra confiando-lhe o segredo. Tempos depois, nasceram ali uns caniços que com o balançar do vento repetiam: “Midas tem orelhas de asno”. Sem poder suportar tamanha vergonha, o rei suicidou-se.
Outro episódio conta que Sileno, membro do alegre cortejo de Dionísio , perdeu-se de seus companheiros. Alguns camponeses que o encontraram o levaram preso à presença do rei Midas. Este, reconhecendo o fiel seguidor de Dionísio, o acolheu durante dez dias e dez noites com pompas dignas de um rei. Ao rever seu súdito, Dionísio, agradecido concedeu a Midas o direito de fazer um pedido. O monarca pediu que tudo aquilo que tocasse se transformasse em ouro. Atendida sua vontade, o rei se viu na iminência de morrer de inanição. Faminto e morrendo de sede, implorou a Dionísio que lhe retirasse o dom fatal. O deus então lhe recomendou que se banhasse nas águas purificadas do rio Pactolo, e assim feito, Midas pode voltar a viver sua vida como outrora.
As Orelhas do Rei Midas
Em Bromionte, na Macedônia, bem no norte da Grécia, vivia em paz o rei Midas, um soberano ávido de prazeres refinados e de todo tipo de riqueza. Gostava especialmente de percorrer as alamedas do imenso e maravilhoso jardim que margeava seu suntuoso palácio. Nesse jardim, o que o rei mais apreciava era aspirar o perfume das rosas cultivadas para ele.
Um dia, quando os jardineiros estavam guardando as ferramentas, um deles ouviu um barulho estranho, que vinha de uma moita. Fez sinal aos companheiros para que se calassem, e todos ouviram um ruído surdo e regular, às vezes interrompido por resmungos.
Aproximando-se com cuidado, os jardineiros descobriram um ser estranho, encolhido no chão. Tinha corpo de homem e pés de bode. Era um sátiro que, quase morto de tanto vinho, estava deixando a bebedeira passar.
Agarraram a estranha criatura e levaram-na ao rei. Ainda cambaleando e falando com voz pastosa, o sátiro declarou a Midas que se chamava Sileno e que era companheiro e amigo de Dioniso, o deus das uvas e do vinho.
Ao conhecer a identidade de seu visitante, Midas mandou soltá-lo e, depois que Sileno descansou e comeu, foi levá-lo a Dioniso.
A alegria do deus ao reencontrar Sileno foi enorme. Mandou abrir vários barris de vinho e deu uma festa ao som de flautas e pandeiros. Quando as danças finalmente cessaram, Dioniso disse que desejava agradecer a Midas. Propôs satisfazer um desejo do rei. Qualquer um.
Acontece que Midas era muito cobiçoso, e isso o fez responder sem pensar:
– Meu maior desejo no mundo é que tudo em que eu toque se transforme em ouro.
O deus achou bem maluca a ideia, mas, já que tinha prometido; concordou e proporcionou o dom que Midas acabara de pedir. Assim que ficou sozinho em seus aposentos, o monarca começou
a experimentar seus novos poderes. Tocou uma mesa e foi um deslumbramento: o móvel de simples madeira se transformou em ouro maciço. Aconteceu o mesmo com uma taça de estanho e uma espada de bronze. Maravilhado, Midas ficou frenético. Saiu tocando tudo o que estava a seu alcance. Em pouco tempo, tudo no palácio tinha virado ouro maciço. Tudo quanto era enfeite, móvel, as próprias colunas do prédio, as árvores do jardim... Ouro puro, brilhante, cintilante. De longe dava para ver o brilho do palácio de ouro de Midas, faiscando sob os raios do Sol poente.
No entanto, o rei percebeu que a noite se aproximava. Ele estava com fome. Chamou os escravos e mandou servir o jantar, sendo imediatamente obedecido. Faminto, Midas jogou-se sobre os pratos deliciosos que lhe traziam. Mas as carnes douradas, as frutas suculentas, os queijos que queria levar à boca, tudo se transformava em ouro no instante que ele os tocava.
Inquieto e desapontado em sua gulodice, fez outra tentativa. Aconteceu o mesmo. Chamou os empregados, mas todos se afastaram dele, querendo ficar bem longe de um homem que tinha um poder tão terrível.
Então Midas, alucinado de fome e de solidão, começou finalmente a refletir e percebeu que o dom de Dioniso condenava-o a uma morte rápida. Ficou apavorado e, chorando, implorou ao deus que o livra-se daquele poder assustador e mortal.
Dioniso deu boas gargalhadas quando viu a que ponto a cobiça levara Midas. Mas ficou com pena e aconselhou-o a logo tomar um banho na nascente do Páctolo, um rio próximo ao monte Tmolo. Midas obedeceu e, ao sair da água, viu com alívio que seu dom funesto desaparecera. Desde esse dia, as águas do Páctolo carregam sempre uma porção de pepitas de ouro.
Depois de uma aventura tão desastrosa, Midas devia ter aprendido a ser mais cuidadoso com os deuses. Mas não aprendeu e meteu-se em outra enrascada.
Apolo, deus do Sol, ia disputar um concurso de música com o sátiro Mársias. Midas, que tinha sido aluno do célebre músico Orfeu, foi designado um dos juízes. Quando os dois terminaram de tocar, ficou evidente para todo mundo que Apolo era muito melhor que Mársias, mas Midas resolveu dizer o contrário, numa teimosia estúpida. Apolo foi declarado vencedor, mas resolveu castigar Midas por sua total falta de sensibilidade musical - e transformou as orelhas do rei num par de orelhas de burro, bem grandes.
Midas ficou muito sem graça. Para disfarçar, só aparecia em público com um gorro de lã, escondendo as orelhas. Não o tirava nem para dormir, com medo de que os outros ficassem sabendo.
Mas o tempo foi passando, e a barba e o cabelo do rei foram crescendo. Chegou o momento em que não dava mais para adiar o corte. Então, mandou chamar o barbeiro e, quando ficou sozinho com ele, fez o homem jurar que guardaria segredo sobre o que ia ver. O barbeiro levou o maior susto quando viu as peludas e imensas orelhas do rei, mas não disse nada. Fez direitinho seu trabalho e foi-se embora do palácio o mais depressa que pôde. Depois, porém, foi ficando difícil para o barbeiro guardar um segredo tão grande, apesar de ter dado sua palavra e de temer a cólera do rei. No fim, quando já não aguentava mais, teve uma ideia. Foi a um lugar isolado, perto do rio, cavou um buraco na terra e, quase encostando á boca no chão, murmurou lá para dentro:
– O rei Midas tem orelhas de burro...
Tapou rapidamente o buraco e foi embora.
Mas um caniço bem ao lado, curvado pela brisa, começou a murmurar:
– O rei Midas tem orelhas de burro...
Todos os caniços das redondezas fizeram a mesma coisa.
O murmúrio cresceu e virou um clamor. Dava para ouvir até á cidade. Dali a algumas horas, todo mundo falava das orelhas do rei. Todo mundo ria. O pobre soberano caiu no ridículo e passou a viver para sempre trancado em seu palácio, lamentando, mais uma vez, não ter tido prudência e bom senso. Mas já era tarde.
QUESNEL, Alain. A grécia. Mitos e lendas. (Trad.: Ana Maria Machado). 6ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 1996.