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O Não-Lugar e a Tragédia de Suzano

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Este texto se refere à tragédia de Suzano/SP na perspectiva dos assassinos, longe de qualquer olhar de aceitação, o que seria absurdo, procura lançar luz na compreensão do fenômeno. As vítimas, a priori, não têm nada a ver com a produção desse horror, mas no campo da subjetividade não estão, digamos assim, tão distantes dos vilões que, de alguma maneira, também são vítimas. O que será explicitado aqui não se reduz ao fato ocorrido na escola Raul Brasil, mas a todo contexto com as mesmas características ou aspectos em comum, ou seja, onde haja bulliying, acesso e apologia às armas. Massacres dessa natureza são frequentes nos EUA e denota desajuste da sociedade que emerge em razão da legalidade da posse e porte de armas, seu trânsito livre e comercialização, bem como da condição financeira favorável que, por sua vez, garante a aquisição desses mais possantes artefatos de matar. Columbine pode, sim, se repetir no Brasil.

Policiais em Frente a Escola Raul BrasilEsse tipo de infortúnio, devido à sua brutalidade, deixa as pessoas perplexas, mas não imaginam o quanto podem estar, direta ou indiretamente, implicadas. Ninguém em sã consciência pega uma arma e sai por aí atirando em alvos humanos nas vias públicas ou locais específicos. Portanto, há motivos que explicam essa carnificina. O que leva um sujeito, por vezes, tímido, reservado, mas aparentemente normal ou acima de qualquer suspeita, a cometer esse tipo de delito? O Não-lugar. O que é esse Não-lugar? É o “lugar” para aonde, tomado pelo vazio da perseguição ou indiferença, o excluído - devido ao bullying, a discriminação sexual e assédio moral -, é remetido. Por consistir em objeto do gozo perverso do outro, todos os vínculos afetivos positivos são cortados e esvaziados do sentimento de pertença. O Não-lugar é “lugar do nada”, e despertencer é desesperador, por conseguinte, o sujeito faz qualquer coisa para se associar a um grupo, quase sempre marginal ou de ética duvidosa, na tentativa de resgatar seu sentimento de pertença e, não raro, também de se vingar. Poucos têm a capacidade de resiliência para suportar a anulação profunda do seu Eu, sublimar o ódio dessa desvinculação ou canalizá-lo para atividades socialmente aceitas. O Não-lugar produz zumbi que vaga pelos ambientes (escola, repartição etc.) sem “chão”, sem identidade, sem nada, não é mais ninguém. Como um gado marcado a ferro em brasa, imprimiram-lhe a tarja de infra-humano, a sentença de morte subjetiva. Ou seja, a determinação de que não pode ou não deve existir, aqui não é seu lugar ou não há lugar nenhum do mundo para si, por conta da sua suposta falta. Em vista disso, se cristaliza o ódio que ocupa o vazio da sua não pertença, não há mais empatia por gente - seja de modo generalizado ou do seu entorno -, sua humanidade, por causa de alguma característica singular ou de origem étnica, foi eclipsada no interdito de tentar se encontrar na vida igual aos demais viventes. Reduzido à coisa, não é colocado do outro lado (outsider), porque seria uma das margens, ainda um lugar, mas na condição de objeto perdido sem esperança de chegada. Nos espaços competitivos e desertos humanos da pós-modernidade, se “esquece” do outro, respeito e acolhimento se direcionam somente ao familiar, a indiferença se estende a tudo que não se enquadra nas referências ou não se comunga semelhança.

De fato, o Não-Lugar dá lugar à violência urbana, mortes, terrorismo, prostituição, tráfico e consumo de drogas. O vácuo provocado pela perda do sentimento de pertença transborda, inevitavelmente, em fúria, daí jovem ou adulto sai atirando a esmo ou em conhecidos. Nesse embrutecimento tanto faz matar oito ou 800, porque o Não-Lugar diz que o sujeito não é nada e, paradoxalmente, não sendo nada, “pode tudo” para se desprender do seu abismo de angústia: existo, e vocês são obrigados, mesmo que eu morra, a reconhecer isso! Finalmente, a cidade onde pairava sua sombra, o país ou mundo são obrigados a se darem conta, por meio desse trágico, da sua existência. A figura personalizada de homem é materializada pela obra do seu mal, deixou de ser ninguém, anônimo, ganhou um lugar na história local, nacional e/ou estrangeira. Sua dor de não existir foi exorcizada pelas mortes alheias e a sua própria. Passou a ter um registro (impresso e/ou virtual) de pertença à imprensa, de constar nas estatísticas dos crimes, em especial, de permanecer nas memórias das vítimas sobreviventes. Assim, seu grito foi escutado e sua libertação consumada no gozo perverso de ser eternizado.