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Viktor Frankl: Análise Existencial e Logoterapia

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"A pessoa espiritual é perturbável mas não destrutível por via de uma doença psicofísica. O que uma doença pode destruir, o que ela pode desorganizar, é só o organismo psicofísico. Este organismo representa, todavia, tanto o espaço de ação da pessoa como o seu campo de expressão. A desorganização do organismo não significa menos, mas também não significa mais do que a obstrução do acesso à pessoa - nada mais! E isto devia ser o nosso credo psiquiátrico: esta crença absoluta no espírito pessoal, - esta crença "cega" na pessoa espiritual "invisível" mas indestrutível! Minhas senhoras e meus senhores, se eu não tivesse esta crença então preferia não ser médico". (Viktor E. Frankl)

"O espírito é, como tal, naturalmente invisível; a pseudo-metafísica espirita quer, todavia, torná-lo de algum modo visível. O espírito, como invisível, não se pode ver; em certo sentido, tem-se, portanto, de crer no "espírito". Todavia, a metafísica espiritista - na medida em que ela torna o espírito em alguma coisa visível, portanto, o quer ver -, numa palavra, a crença no espírito do "que vê o espírito", torna-se, exatamente, por isso, também uma superstição". (Viktor E. Frankl)

Viktor FranklTal como Bruno Bettelheim, Viktor Frankl sofreu a experiência dos campos de concentração nazistas, da qual resultou a obra Um Psiquiatra Deportado Testemunha. Frankl formulou a análise existencial em psiquiatria - cuja prática terapêutica é a logoterapia - antes dessa experiência terrível, mais precisamente em 1934. A análise existencial opõe-se à psicanálise. Para Frankl, a vontade de sentido é mais dominante na economia mental do homem que o princípio de prazer de Freud e a vontade de poder de Adler: os doentes de Frankl não sofrem somente de frustrações sexuais ou de complexos de inferioridade, mas são, a maioria das vezes, confrontados com um vazio existencial que lhes provoca vertigens. A neurose - vista como um tipo de existência ou de ser-no-mundo - revela um ser frustrado do sentido da vida. Frankl defende que a necessidade fundamental do homem não é nem a satisfação sexual nem a valorização de si, mas a plenitude de sentido. Ao automatismo freudiano de um aparelho mental, opõe a autonomia espiritual do homem que, no seu íntimo, é um ser responsável. A existência humana tem, ao mesmo tempo, o carácter de um problema, tal como a vida, e o carácter de uma resposta: não é o homem quem deve pôr a questão do sentido da vida, porque o interrogado é o próprio homem. Lançado no jogo do mundo, o homem é desafiado a dar uma resposta às questões que a sua vida lhe coloca. A resposta dada pelo homem é sempre uma resposta em ato. A análise existencial de Frankl encara o neurose como um tipo de existência: o objetivo do seu método terapêutico é conduzir o homem à consciência da sua responsabilidade. Aquilo que na logoterapia se torna consciente não é o instinto, como sucede na psicanálise, mas o espiritual: o homem é um ser responsável, porque não é somente ser de pulsão, mas também e fundamentalmente ser espiritual. Toda a ação terapêutica está centrada não nas pulsões, mas no inconsciente espiritual: a tarefa do psiquiatra é libertar a pessoa espiritual do handicap psicofísico.

Sören Kierkegaard definiu o homem como "uma síntese de alma e corpo" e, ao mesmo tempo, como "uma síntese do temporal e do eterno". A noção de homem incondicionado de Frankl está muito próxima da noção de existência humana de Kierkegaard, o que lhe permite criticar a problemática da terapêutica psicocirúrgica na sua relação controversa com a psicoterapia. Para facilitar a compreensão desta controvérsia médica, penso poder afirmar que Frankl censura basicamente o materialismo subjacente à utilização da psicocirúrgica, até porque ele próprio recomendou algumas vezes esse procedimento cirúrgico para aliviar os seus doentes do sofrimento desnecessário e sem sentido:

"Deixar sofrer um homem desnecessariamente é um erro médico".

A cirurgia cerebral é indicada não para privar o homem do sofrimento da esfera do eu - sofrimento necessário e com sentido, o que equivaleria à auto alienação, mas para o aliviar do sofrimento sem sentido, pondo o eu em descanso. Egas Moniz (1874-1955) recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1949, prémio partilhado com Walter Rudolf Hess (1881-1973), por ter desenvolvido a angiografia cerebral e a técnica de lobotomia frontal ou de leucotomia pré-frontal concebida como uma terapêutica para determinadas perturbações emocionais. Os mass media e muitos neurocientistas não perdoaram a Egas Moniz o facto de conceber a destruição de uma grande porção do encéfalo como uma forma de tratamento e, por isso, contam que este médico português acabou estranhamente paralisado por um tiro disparado na espinha por um dos seus pacientes lobotomizados. Portanto, foi feita justiça poética contra o médico português que, sem suporte teórico substancial, acreditava que podia corrigir o excesso de emoção através deste procedimento cirúrgico. De facto, nesse tempo sombrio, Klüver & Bucy mostraram que lesões no encéfalo podiam alterar o comportamento emocional e, na década de 30, John Fulton e Carlyle Jacobsen relataram que lesões do lobo frontal tinham efeitos calmantes nos chimpanzés.

Confiante no princípio segundo o qual se o sistema límbico controla a emoção, conforme estipulado pelo circuito de James Papez (hipocampo, hipotálamo e giro do cíngulo), então as pessoas com problemas emocionais - pacientes melancólicos, obsessivo-compulsivos e esquizofrénicos - podem ser clinicamente ajudadas, Egas Moniz não se inibiu e desenvolveu o procedimento cirúrgico da psicocirúrgica, aplicando-o aos seres humanos. Milhares de cirurgias foram realizadas em todo o mundo nos anos 40 e 50 do século XX, usando diversos procedimentos: os pacientes submetidos a estes procedimentos cirúrgicos, em especial os esquizofrénicos, tornaram-se meras sombras dos seus eus anteriores. Egas Moniz queria "golpear literalmente as associações delirantes" (Frankl) dos seus pacientes, como se o seu procedimento fosse uma intervenção cirúrgica na psique e como se o bisturi pudesse atingir a realidade da alma. A sua explicação redutora lembra o chamado delírio interpretativo racionalizante secundário. Segundo Frankl, a leucotomia não toca a pessoa espiritual - o seu eu inalterado, a sua existencialidade, mas apenas o organismo psicofísico - a sua facticidade: "O corpóreo é condição, mas não causa do psico-espiritual. A doença física limita as possibilidades de desenvolvimento da pessoa espiritual, e o tratamento somático restitui-lhas, dá-lhe, de novo, oportunidade para se desdobrar e isto ensina-nos a clínica. O que nós podemos explicar através da clínica é somente a diminuição das possibilidades do espiritual; mas podemos compreender a realidade do espiritual unicamente a partir de uma metaclínica" (Frankl). A lobotomia deixou de ser utilizada, excepto nos casos de perturbação obsessiva intratável, onde a operação moderna se limita a uma cingulotomia, em vez de uma lobotomia frontal completa.


A maioria dos neurocientistas tende a ser materialista na sua atividade experimental, embora o fisicalismo enquanto filosofia seja impensável: o materialismo radical auto-anula-se enquanto figura do pensamento. No entanto, no seio da própria ciência, surgiram críticas antimaterialistas que merecem atenção. Pioneiros geniais das neurociências tais como Charles Sherrington e W. Penfield abandonaram o materialismo, adoptando a defesa da autonomia da alma, e John C. Eccles e Karl Popper defenderam sempre um dualismo interacionista. Alistar Hardy acusa as concepções monistas que predominam na comunidade científica de serem excessivamente perigosas para o futuro da civilização, porque estas ideias convertem a dimensão espiritual do homem simplesmente num produto superficial de um processo material. O dogma fisicalista é tão injustificável quanto os dogmas mais absurdos da Igreja Medieval. Diversos psiquiatras mostraram que a crença no reducionismo tem um efeito desastroso e nefasto sobre a saúde mental, especialmente sobre a prudência e o juízo do homem. Viktor Frankl acredita que uma das maiores ameaças à saúde mental é o vazio existencial. Com efeito, o número de pacientes (20%) afligidos pelo sentimento de vacuidade interior - o sentimento de total e absoluta falta de sentido da vida, especialmente em face da morte, que recorrem à ajuda clínica, aumenta assustadoramente em todo o mundo, sobretudo nos países ocidentais.

Frankl pensa que esta perturbação é o resultado direto e desastroso da negação do valor e de uma vida com valor - atitude característica da moderna sociedade cientificamente orientada, ou seja, da crença de que, como a ciência é, em grande medida, reducionista quanto à sua técnica, o reducionismo é a única filosofia em que devemos crer. Para Frankl, existe no homem uma tendência intrínseca para procurar significados que possa compreender e valores que possa atualizar. O reducionismo predominante mais não é do que um disfarce do niilismo que, na sua versão atual, deixou de anunciar o "nada" para afirmar simplesmente "nada mais do que": a psiquiatria, a psicoterapia e a psicanálise apresentam o homem como um ser reflexo ou um feixe de instintos, como ser condicionado, acionado e determinado, ora pelo complexo de Édipo, ora por sentimentos de inferioridade. Ora, afirmar que o homem nada mais é do que feixe de reflexos ou feixe de pulsões é apresentá-lo como "uma marionete - ou, como se diz hoje em dia, um zumbi - que esperneia por meio de fios, ora ridiculamente visíveis, ora escondidos" (Frankl).

O homem é algo mais do que aquilo que pode ser explicado completamente pelo biológico, psicológico e sociológico: o biologismo, o psicologismo e o sociologismo pecam contra o espiritual, construindo imagens do homem que ameaçam o próprio homem e que o impedem de alcançar um humanismo: "Enquanto virmos no homem somente isto ou aquilo condicionado, enquanto não virmos no homem também o incondicionado, não descobrimos o verdadeiro homem, o Homo Humanus, mas sim uma espécie de homúnculus. A partir do biologismo, psicologismo e sociologismo não há qualquer caminho para o humanismo, mas para um simples homunculismo!" (Frankl). Nesta perspectiva que aponta para um pensamento metaclínico, o verdadeiro niilismo não é o existencialismo, que afirma a irredutibilidade do ser humano, recusando tratá-lo como coisa entre coisas, mas o reducionismo que, nas escolas e nas universidades, socializa as pessoas, levando-as a crer na concepção reducionista do homem e na visão reducionista da vida - o clericalismo científico, segundo a expressão feliz de Teixeira de Pascoaes. O vazio existencial é, portanto, a frustração da força motivacional fundamental do homem: a vontade de sentido, completamente distinta da vontade de poder dos adlerianos e do desejo de prazer dos freudianos.

Hyman confirmou esta perspectiva existencial nos seus pacientes submetidos a cirurgia cerebral: a procura de sentido é uma força motivacional básica do animal symbolicum (Ernst Cassirer). Esta descoberta da necessidade de sentido no ser humano levou Frankl a tomar uma posição oposta à de Freud a respeito da religião. A teoria freudiana da religião é sobejamente conhecida: Deus mais não é do que uma imagem interiorizada do pai todo-poderoso e a religião, uma neurose obsessiva. Frankl rompe claramente com esta noção de Deus, defendendo a solidez da ideia de Deus na sua obra O Deus Inconsciente. Além disso, certas neuroses são produzidas pelo recalcamento da religiosidade. Frankl não proclama uma determinada religião universal: o que ele pensa é que o homem caminha para uma religião pessoal, na qual cada um descobrirá a sua própria linguagem. De certo modo, a religião pessoal decorre do próprio processo de secularização da sociedade e da consciência e do seu corolário - a privatização da religião. A afirmação de Marx segundo a qual:

"a religião dos trabalhadores não conhece Deus dado que procura restaurar a divindade do homem"

Que chocou Henri de Lubac e que foi completamente explicitada por Ernst Bloch, vai ao encontro da noção de que os homens diferentes têm valor diferente, mas dignidade igual: a dignidade incondicional de todos os seres humanos, incluindo os psicóticos, os doentes e os que sofrem. O homem é condicionalmente um ser (espiritual) incondicionado: "O homem é mais do que organismo psicofísico; ele é pessoa espiritual. Como tal, ele é livre e responsável - livre do psicofísico e livre para a realização de valores e a satisfação mental da sua existência (Dasein)" (Frankl). O homem luta não só pela existência, mas também e sobretudo por um conteúdo da existência: a tarefa mais notável da ação psiquiátrica é ajudá-lo nesta luta por um sentido da existência e pelo auxílio recíproco na descoberta do sentido. A imagem do homem esboçada por Frankl não oferece soluções definitivas para os problemas metaclínicos - as perguntas eternas da humanidade pensante: o seu objetivo é estimular as pessoas e convidá-las para o pensamento metaclínico, convocando-as para a necessidade de uma decisão. Num sentido amplo, a concepção frankliana da religião e do seu papel essencial na vida e na promoção da saúde das pessoas foi recentemente suportada empiricamente pela pesquisa no domínio da neurociência espiritual (D'Aquili & Newberg, 2000, Lee & Newberg, 2005, Newberg & Lee, 2005): a religião não só desempenha um papel crucial na vida de milhares de pessoas, como também exerce um efeito positivo sobre a sua saúde.