[José de Alencar]I- O Autor: Nasceu em Mecejana, Ceará, em 1829. Formou-se em Direito, em São Paulo, em 1850. Fundou a revista 'Ensaios Literários... Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
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O Gaúcho

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por:

[José de Alencar]

I- O Autor:

Nasceu em Mecejana, Ceará, em 1829. Formou-se em Direito, em São Paulo, em 1850. Fundou a revista 'Ensaios Literários' e, fixando-se no Rio, começou a escrever crônicas no 'Jornal do Comércio'. Publicou, então, no 'Diário do Rio', seu primeiro romance, Cinco Minutos. Em 1856, projetou-se nos meios literários com as 'Cartas sobre a Confederação dos Tamoios', provocando violenta polEmica. Firmou-se como escritor, foi deputado em várias legislaturas e ministro da Justiça, em 1877. Nesse período fecundo de sua vida, escreveu 'As Cartas de Erasmo', dirigidas ao Imperador, mas se frustrou por não conseguir o cargo de senador. Morreu tuberculoso, no Rio de janeiro, em 1877, após uma breve estada no Europa.

Como romancista, Alencar apresenta uma variedade de obras em diferentes gêneros. Notável ficcionista, deixa-nos romances indianistas, históricos, regionalistas e urbanos.

II- Obra:

Manuel Canho, gaúcho, de 22 anos, é alto e robusto com a face bronzeada; usa um chapéu desabado que lhe cobre a fronte larga. Vive, em um rancho em Poncho-Verde, às margens do Ibicuí, com a mãe, Francisca, senhora gorda de quarenta e cinco anos e uma irmã, Jacintinha, bela moça de quinze anos.

O pai de Manuel, João Canho, amansador famoso na região, além da destreza no trato com cavalos, ensina ao filho o valor da dedicação e do amor para com eles. É morto num combate com castelhanos, que estavam à caça do comerciante Loureiro, a quem João dera abrigo. Manuel, menino ainda, vê o pai ser ferido, mortalmente, pela lança do castelhano Barreda, e revoltado, jura vingança.

Loureiro, sensível aos encantos da viúva Francisca, sentindo-se responsável pela morte do marido, oferece-se para substitui-lo. A mãe aceita, desagradando Manuel que passa a odiar o padrasto. Nessa época, o irmão, Juca, de três anos, adoece e logo morre. Manuel fica feliz pelo irmão, porque sabe que irá se juntar ao pai.

Um dia, Loureiro manda arrear Morzelo, o cavalo predileto do finado João, contrariando o menino. Ao toque das rosetas, Morzelo dispara como uma bala, derrubando o cavaleiro e esmagando-o no chão duro e pedregoso. O negociante morre, deixando Francisca, mais uma vez, viúva. Manuel cresce e, como o pai, torna-se grande conhecedor de cavalos. Um dia, sai de casa em busca do Barreda, vivendo, nessa trajetória, uma série de aventuras.

Na vila de Jaguarão, conhece Catita, jovem de doze anos, cabelos negros e pele queimada. Ao aparecer no alpendre, procurando pelo pai, um soldado lhe pergunta se não gostaria de ser sua noiva. Dirigindo-se até o canto oposto do alpendre, onde Manuel estava sentado e fumando, aponta-o, dizendo: é 'este' que prefiro para noivo. Ironicamente, o gaúcho responde que só quando Catita for viúva. Muitos riram, mas ela acha estranha a premonição do rapaz.

O gaúcho encontra-se com o padrinho, Bento Gonçalves, homem muito respeitado pela franqueza, generosidade e bravura. Conta-lhe que vai em busca de Barreda e pede sua bênção, partindo para província de Entre-Rios. Ali, Manuel conhece o chileno D. Romero, um vendedor ambulante, misto de mascate e aventureiro, que traz consigo uma égua muito bonita e arisca. O dono desafia os presentes, afirmando que ninguém ali é capaz de montá-la. Convida a todos para ver a baia, propaga, em voz alta, que o cavaleiro que a montar ficará com ela. O primeiro peão, que se habilita, cai em um segundo.

Manuel, ouvindo toda a movimentação, oferece dinheiro pela égua, mas o chileno repete que pode tê-la de graça, desde que a monte. Para surpresa de todos, o gaúcho não só monta como faz amizade com o animal, tornando-se seu dono, mas sente profunda antipatia pelo chileno.

Dá à baia o nome de Morena e percebendo que deu cria há pouco tempo, permite-lhe fazer o caminho de volta para encontrar o potrinho. Encontram pelo caminho o caçador, Pedro Javardo, que quer tomar Morena, mas não o consegue. O animal recupera a cria, e após despedidas calorosas, o gaúcho solta-os na imensidão dos pampas. Apesar de livres, Morena e seu potro retornam aos afagos do gaúcho. Para ele, homem e cavalo se completam, porque o gaúcho - o centauro dos pampas, ser híbrido da mitologia, resulta da união de duas naturezas incompletas: busto e corpo de cavalo.

Finalmente, chegando à casa do assassino do pai, encontra-o à beira da morte, corroído por uma febre. O gaúcho, que não pode assistir impassível ao sofrimento de ninguém, adia o intento, decidindo ajudá-lo. Durante vários dias, vela sobre o doente, como faria a um amigo. Com o enfermo fora de perigo, deixa a casa, prometendo voltar.

Retorna a Poncho-Verde, revendo mãe e irmã, que ficam entusiasmadas com os animais, principalmente o potrinho, a quem dera o nome do falecido irmão, Juca. Após três meses, o gaúcho volta à casa de Barreda. Lá, identificando-se, diz-lhe a que vem. Lutam e Manuel o fere mortalmente, com a própria lança usada contra o pai.

Avisa ao padrinho Bento ter cumprido a vingança. Na festa de Nossa Senhora da Conceição, Manuel revê Catita que docemente lhe pede o potrinho e deparando com o turbante, que este havia comprado para a irmã, coloca-o na cabeça. Manuel se retira sem pegá-lo de volta, ofendido com o pedido da moça.

Retorna a casa e se esmera na educação de Juca, que, tendo crescido, tem o porte elegante da mãe. Um dia, fica sabendo, em uma estância próxima, que o coronel Bento Gonçalves havia sido demitido do 4º corpo de cavalaria. Achando que o padrinho precisava dele, parte para Jaguarão e de lá para Camaquã, onde fica a estância de Bento. Por causa da demissão, este pretende dar início a manifestações populares em favor de sua causa. Nessas excursões, precisa de um homem de confiança para escoltá-lo. Ao ver o afilhado, sabe que pode contar com ele para a tarefa.

Nesse ínterim, um cavaleiro ronda o rancho de D. Francisca, cortejando Jacintinha. Era o mascate D. Romero. Como precisam de tecido e linha, D. Franscisca autoriza que este venha demonstrar suas mercadorias. Seduzidas pela lábia do estrangeiro, acabam vendo tudo o que trazia, e , a partir de então, passa a ser bem-vindo na casa.

Na segunda semana, a serviço do padrinho, enquanto descansa na campanha, Manuel se depara com Catita sobre uma mula enfurecida. O gaúcho salta no Juca, tentando alcançar a mula para lhe tomar o freio, quando, repentinamente, sente que Catita está na sua garupa dando risada.

Com exceção da própria menina, ninguém viu como passou de um animal para outro, tão rápido foi o movimento. Não querendo ser salva por Manuel, avista adiante uma árvore, e ao passar sob ela, agarra-se a um de seus galhos, e assim que o cavaleiro se aproxima, cai sobre sua garupa. Depois de tamanho susto, o grupo de viajantes pára para descansar. O gaúcho fica sabendo que Lucas Fernandes, o pai de Catita, conhecera seu pai, e por isso, nessa noite, conversam bastante, sob os olhares faceiros da moça, agora com quinze anos. Ao chegarem à vila Piratinim, Lucas vai com o gaúcho a Camaquã.

Após lutarem ao lado de Bento Gonçalves, tomando Porto Alegre de assalto, retornam à vila de Piratinim. Durante o jantar, o pai de Catita, com entusiasmo revolucionário, vai contando suas proezas e bravatas para as mulheres. Catita, sem prestar atenção, dá olhadelas apaixonadas para o gaúcho. Félix, sobrinho de Lucas, que sob o pretexto da revolução, vem para ver a amada Catita, fica enciumado com seus olhares para Manuel Canho que, ainda naquela noite, toma conhecimento de que Félix deseja matá-lo. Este acredita que, enquanto Manuel viver, Catita não fará caso dele.

No dia seguinte, sabendo que a força de Silva Tavares, o chefe legalista, estava arranchada em uma estância, na vizinhança de Serrito, Canho, sai em sua direção.

Chegando lá à noite, pede pouso para os peões que o recebem. Todavia, desconfiam que é homem de Bento e tentam cercá-lo. Na fuga, Morzelo, membro de sua tropilha, é capturado. Ao dar conta disso, volta e se depara com o cavalo, morto. Com Morena e Juca, chora a morte do velho alazão do pai; enterrando-o, o gaúcho jura vingança.
Com sua tropilha, Manuel Canho ataca os peões que voltam à estância, ferindo uns, derrubando outros. Félix, agora um legalista, num golpe de Manuel, tem o rosto cortado transversalmente, vazando-lhe o olho. No encalço daquele que baleara Morzelo, ouvem-se tiros e, como se tivesse asas, Morena devora o espaço, fugindo dos inimigos; mais tarde, resfolega em uma espécie de estertor; tinha sido atingida.

Deixando-a deitada, agonizando, o dono busca um objeto para retirar a bala.

Na manhã seguinte, banhando-se num riacho, Catita ouve um tropel. Receando a aproximação de alguém, sai, trocando-se rapidamente. Vê o cavalo Juca e seguindo-o, depara-se com Morena, prostrada, sem forças, vertendo sangue. Juca lambe-lhe o sangue, tentando estancá-lo.

Ao retornar, Manuel encontra Catita ao lado do animal ferido. Tenta extrair a bala, mas não consegue. Tentando ajudá-lo, a jovem consegue e, logo, o sangue estanca. Canho parte para outra missão, deixando Morena sob os cuidados da moça. Ao voltar, as encontra em perfeita comunhão. Emocionados, trocam abraços e beijos.

D. Romero, o chileno garboso e gentil, está na festa da vila em Piratinim. Dirige galanteios à Catita, convidando-a para dançar. A moça pensa em Canho, mas não resistindo à música, aceita. Manuel aparece na hora do desafio, dançando com graça e improvisando como ninguém. O amor doma o centauro dos pampas e o atira aos pés de Catita. Parte para Buenos Aires, a serviço do Coronel, mas antes despede-se da amada, trocando juras de amor. Félix, desfigurado, espreita com seu único olho os dois enamorados, desejando mutilar o rosto da moça, também.

Retornando de Buenos Aires, Manuel Canho visita a irmã e a mãe que lhe comunica sobre o pedido de D. Romero para casar com a filha. Manuel o desaprova, prometendo voltar em um mês para então decidirem.

Mas o incorrigível D. Romero marca para meia noite um encontro à janela com Catita, que passa a se interessar por seus galanteios. À hora exata, o chileno ali está cortejando a moça. Oferece-lhe, astutamente, um confeito de baunilha, colocando-o na boca da menina. Tudo isso sob o olhar de Félix, que espreitava com a única pupila esbugalhada e desejos de vingança. Quando dá por si, percebe que o esperto escorregara para dentro da casa. Sem perda de tempo, corre para avisar Lucas Fernandes. Arma-se o escândalo. Abatida com o ocorrido, sente-se desamparada, ficando em dúvida se o confeito não teria algum narcótico. Nessa hora, o gaúcho chega e, envergonhada, lhe pede perdão, aconselhando-o a esquecê-la.

Na fuga, o chileno é amparado pelos legalistas e, em Rio Pardo, à noite, resolve usar seus confeitos com uma antiga namorada. Quando pula o balcão, Canho, o laça, conduzindo-o à vila de Piratinim, para casar com Catita. Após a festa de casamento, Canho e D. Romero partem para um duelo, lutando como animais. Canho o estrangula pressionando a bota no pescoço do rival. Depois empurra o cadáver com a ponta do pé, fazendo-o rolar despenhadeiro abaixo.

Em prantos, pela primeira vez, o gaúcho chora, abraçando seus fiéis cavalos.

Fala-lhes de sua ingratidão por trocá-los pela infiel e traidora Catita. Pede-lhes que fujam com ele. De repente, Catita ajoelha-se a seus pés, pedindo-lhe perdão, suplicando para levá-la consigo.

Arma-se um tremendo temporal, trovões arrebentam, relâmpagos cortam o firmamento iluminando o céu negro e agitado; um vento forte, o pampeiro, passa a varrer tudo.

Catita luta desesperadamente para que Manuel não vá sem ela. Ele a repele com violência e parte na Morena. Catita salta, agilmente, à garupa da égua. Ouve-se um barulho de galhos partidos, e em seguida o baque de um corpo no fundo do precipício.

É Félix que, até então, lutava, à beira do penhasco, com o tufão. O gaúcho, sem força suficiente para se desprender do tépido corpo de Catita, cavalga com ela pelo pampa infinito, em meio a um céu negro, encoberto de nuvens convulsas, relâmpagos, e o zunindo do ciclone.