A disputa envolvendo os problemas filosóficos opôs aqueles que procuravam encontrar um fundamento para sua solução e outros que buscavam sua distinção diante à variedade de abordagens e campos de conhecimento possíveis, aberto pela tradição intelectual do ocidente. Em 1981, Putnam reagiu com firmeza às críticas de Rorty e seu relativismo. A seu ver, o relativismo cultural negava a possibilidade de pensar. As respostas fáceis, como as de Rorty é que seriam tolas. O advento da ciência cognitiva é um exemplo de que as questões profundas da filosofia ainda demandavam explicações razoáveis. Novos instrumentos -o computador- e novas técnicas descobertas tornavam possível fornecer novas teorias sobre processos mentais1.
O interesse de Putnam pelos computadores voltava-se para as implicações entre a ideia de organização funcional e o próprio pensamento. O funcionalismo investigava se as "funções inteligentes" necessitavam de uma máquina específica para serem executadas. Os computadores seriam um exemplo de que processos mentais, como o pensamento, poderiam ser operados por mecanismos totalmente diferentes dos órgãos e tecidos vivos.
Qualquer organismo inteligente -seres humanos [!?], animais superiores ou máquinas- poderiam executar o mesmo tipo de programa, que seria a sede da identidade do sujeito e não o equipamento que o roda. Um acontecimento mental poderia ocorrer num aparato físico qualquer e causar outro acontecimento comportamental, sem que fosse preciso recorrer aos estados cerebrais que por ventura possuam ou não a propriedade de gerar estados mentais. Ou seja, as explicações psicológicas não se reduziriam ao nível neurológico, ou físico. A explicação sobre o funcionamento da mente poderia ocorrer também num nível social ou representacional, independente do fisiológico2.
Daniel Dennett é outro filósofo que tenta escapar do nível fisicalista, indo além do mero funcionalismo. O tipo de explicação sugerida por Dennett considera seres humanos, animais e máquinas como sistemas intencionais. De um ponto de vista objetivo, os organismos inteligentes poderiam ser tomados por agentes intencionais -seres dotados de racionalidade e capazes de seguir um propósito estabelecido-, ao executarem seus respectivos programas.
Os sistemas intencionais representariam uma ligação entre as noções do senso comum e as teses físicas da ciência, sobre o comportamento inteligível. Nesse sentido, ao construir suas máquinas, a Inteligência Artificial forneceria a resposta de como o conhecimento é possível de ser alcançado por um arranjo de componentes que isoladamente não possuem tal propriedade. Sistemas intencionais exigiriam, portanto, uma organização complexa em que pequenos "homúnculos" reagiriam entre si para o cumprimento de uma tarefa determinada. Como peças mecânicas de um projeto construído para um propósito qualquer, esses homúnculos poderiam ser substituídos por pequenos componentes de um circuito maior de um sistema complexo semelhante aos de um aparelho eletrônico.
No entanto, o fato de atribuir-se crenças e desejos a esses sistemas não quer dizer que eles realmente possuam tais intenções. A suposição de sistemas intencionais serviria tão somente para mostrar como intenções são relacionadas a um organismo pela psicologia popular. Termos intencionais são utilizados no intuito único de auxiliar a demarcação da função que controla o comportamento de homens e animais ou máquinas3.
A Linguagem do Pensamento
Uma síntese da nova postura adotada pela filosofia da mente pode ser encontrada na obra de Jerry Fodor. Fodor assume as postulações básicas do cartesianismo, porém, sem comprometer-se com o dualismo que lhe é inerente. Como crítico da tradição empirista, ele aceita a existência de ideias inatas que o meio ambiente trata de mobilizar. Em sua concepção da mente, entretanto, não há espaço para um dualismo do tipo mente-corpo. Ele adota uma posição materialista que admite a existência de estados e causas mentais que interagem uns com os outros.
O processamento das informações é explicado pela operação de símbolos realizada através de atividades cognitivas. Esses símbolos seriam entidades abstratas que não apresentam necessariamente relação com as entidades representadas, sendo parte de uma linguagem própria do pensamento: o "mentalês". O mentalês seria composto por estruturas que lhe seriam próprias e de um vocabulário típico da psicologia popular, contendo verbetes -como crenças, desejos, fins etc- que podem ser empregados por vários sistemas cognitivos, computadores ou cérebros.
Seguindo a linha de raciocínio inaugurada por Descartes e desenvolvida por Chomsky, a linguagem do pensamento em Fodor é o meio pelo qual as representações mentais são organizadas em um sistema cognitivo. Em The Language of Thought (A Linguagem do Pensamento, 1975), Fodor argumenta a favor de um veículo que fosse capaz de processar os dados da percepção, raciocinando, aprendendo e ensinando uma língua. A computação desses processos cognitivos seria realizada por uma linguagem do pensamento inata aos seres humanos. Um código interno poderia mapear as informações fornecidas pela experiência na forma em que a linguagem natural se vale para efeitos de comunicação de suas representações com o mundo. Sob o aspecto formal, esse tipo de análise sintática do pensamento parece funcionar bem, mas escapa a Fodor e à ciência cognitiva de um modo geral a descrição de como os conteúdos são apreendidos por uma linguagem formal do pensamento. A consciência do processo computacional fica de fora de toda investigação formal, embora Fodor não negue que as representações tenham propriedades semânticas, isto é, possam captar o valor de verdade de uma sentença sobre o mundo4.
Por fim, resta acrescentar o nome do filósofo norte-americano Donald Herbert Davidson (1917), nessa breve história da participação filosófica na ciência cognitiva. Davidson é autor de vários artigos reunidos em coletâneas como Essays on Action and Events (Ensaios sobre Ação e Acontecimentos, 1980) e Inquire into Truth and Interpretation (Investigações sobre Verdade e Interpretação, 1983). No artigo intitulado "Mental Events" (Acontecimentos Mentais, 1970), incluído no primeiro livro, sua principal contribuição à filosofia da mente reside na noção de monismo anômalo que identifica os acontecimentos mentais com os físicos, apesar de os primeiros não se deixarem entender pelos termos nomológicos de uma teoria física.
O monismo anômalo adere ao materialismo das pretensões de que todos acontecimentos, mentais ou não, são físicos, enquanto rejeita a tese de que fenômenos mentais possam ser meramente reduzidos a explicações físicas. A dependência ou superveniência dos acontecimentos mentais em relação aos físicos significa apenas que a mudança de estados mentais requer uma alteração nos estados físicos, independente de qualquer vinculação a leis ou definições. Admite-se que os enunciados causais tenham seu valor de verdade singular respaldado por leis estritas dos acontecimentos. Tais leis seriam formuladas de acordo com um domínio conceitual homonômico ao tipo de linguagem adequado, ou seja, a teoria física limitar-se-ia tão somente à descrição de acontecimentos físicos no vocabulário específico que lhe permite estabelecer leis para os fenômenos naturais.
Por não possuir um sistema conceitual fechado, tal como a física, os acontecimentos mentais não se submeteriam a uma explicação legaliforme, mas apenas uma generalização heteronômica. Logo, o princípio do anomalismo mental impede que haja leis estritas que prevejam e expliquem os fenômenos mentais5.
A identidade entre o acontecimento mental e o físico é preservada pela suposição de uma generalização heteronômica que assume a existência de uma lei estrita em termos fisicalistas, mas com a possibilidade de se conhecer uma relação causal singular, independente desta lei estar ou não associada ao estado mental respectivo. Um acontecimento mental, sendo material, é identificado com algum acontecimento físico, sem que se saiba exatamente qual deste. A identidade entre o mental e o físico, não garante a previsão e explicação de um único acontecimento mental, apenas sua descrição. Por conseguinte, a classe dos acontecimentos mentais não pode ser explicada pela ciência física.
A explicação da liberdade da ação humana, por exemplo, apela para considerações do comportamento intencional, segundo o vocabulário mentalês, num quadro conceitual separado da descrição física. Esse anomalismo preserva, portanto, a autonomia do agente humano com uma inspiração tipicamente kantiana.
O Papel da Filosofia Cognitiva
A disputa entre empiristas e racionalistas fez com que a atenção das pesquisas cognitivas ora se voltasse para um lado, ora para o outro. Depois de Fodor, a tendência racionalista fincou pé na primazia de um sujeito dotado de uma estrutura cognitiva inata. Por outro lado, nada mais pode ser afirmado, ou tido como certo, sem uma comprovação experimental. Ponto para os empiristas.
Nesse contexto, o papel da filosofia ainda é controverso, como mostra a crítica de Rorty ou a perspectiva eliminativista da Inteligência Artificial. Porém, a postura crítica e dialética da filosofia faz-se presente sempre que há a necessidade de uma análise mais apurada dos novos conceitos apresentados pela ciência cognitiva. A filosofia pode funcionar como um catalizador das formulações feitas em campos distintos, exigindo maior coerência das explicações. Na filosofia, as questões centrais dos diversos campos podem ser tematizadas. Filosofia e ciência são essenciais nas palavras de Putnam: "para uma visão responsável do mundo real e do lugar do homem nele"6.
Referência Bibliográfica
DAVIDSON, D. "Mental Events", in FOSTER, L. e SWANSON, J.W. Experience and Theory.- Amherst: University of Massachusetts Press, 1970, pp. 79-101.
GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente; trad. Cláudia M. Caon. - São Paulo: Edusp, 1995.
Notas
1. Veja GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente, II, 1, pp. 89-91.
2. Veja GARDNER, H. Op. Cit, idem, pp. 91-92.
3. Veja GARDNER, H. Idem, ibdem, pp. 92-94.
4. Veja GARDNER, H. Ibdem, ibdem, pp. 94-99.
5. Veja DAVIDSON, D. "Mental Events", in FOSTER, L.e SWANSON, J.W. Experience and Theory, pp.79-101.
6. Veja GARDNER, H. Ibdem, ibdem, pp. 99-101 e PUTNAM, H. Mind, Language and Reality, p. XVII.