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'Bofe Escândalo': A Abominável Criatura das Grifes

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por:

“Por causa da sua educação sexualmente defeituosa,
a grande maioria dos homens e mulheres é sexualmente perturbada”
(WILHELM REICH).

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Neste folhetim Caras e Bocas, o autor Walcyr Carrasco forjou o relacionando de dois personagens com vivências sexuais, até então, bem diferenciadas. Cássio (MARCO PIGOSSI), um adulto jovem gay, de origem humilde, mas de requintado bom gosto, e a perua alpinista social, heterossexual, madura, Léa (MARIA ZILDA BETHLEM). Depois de passar pela vida de muitos homens buscando uma boa vida, ela se descobre apaixonada pela “abominável criatura das grifes” (assim se referem aos demais personagens da trama, que criticam o afetado Cássio, imitando-lhe os trejeitos). O rapaz é mimado o tempo todo pela namorada, em especial, como não podia obviamente deixar de ser, com roupas de grife, por ter emergido da intimidade dos lençóis (motivo do fim do último casamento interesseiro e monótono da Léa), o “bofe escândalo” (como ele se auto-rotula), cuja existência latente ninguém imaginava. Embevecida por essa descoberta, a Maria Purpurina (comumente é assim que o parceiro a chama), faz questão de chocá-lo, deixando o “rosa chiclete” quando, em público, insinua revelar nuances da sua surpreendente performance sexual.

O amor do casal é sempre colocado em dúvida, ou melhor, em cheque, de que o rapaz de fato não tenha virado bofe. Devido aos gastos da amante com presentes para atender a seu voraz desejo de consumo, ele foi vítima de armação por parte da enteada que, visando destruir esse affair, tentou mostrar para sua mãe que a tal criatura permanecia gay. Mas os “pombinhos” continuam firmes no romance e, até o momento, com o propósito de casar. Especialmente depois que Léa aumentou seu crédito no amado, quando ele conseguiu reverter o quadro e provar a maquiavelice da sua filha, psicopata, Judith (DEBORAH EVELYN), que sempre está articulando situações para tirar vantagens. Assim, não admite perder status, vive preocupada com os excessos de compra da genitora que, agora (antes era sua cúmplice) a considera tresloucada, e por causa disso quer interditá-la judicialmente.

Em virtude desse relacionamento, Léa parece ter deixado de ser hipócrita e inescrupulosa, como naturalmente é a praxe da Judith para alcançar seus objetivos. Para viver esse encontro amoroso, abre mão de qualquer bem material, pois se sente pela primeira vez inteira, entregue a esse sentimento, e, em tempo, percebeu o aspecto limitante da sua idade, e por isso decidiu aproveitar cada momento da sua vida, da maneira mais prazerosa possível, na companhia do bofe, ou, para muitos, libélula.

Nesse universo ficcional, a descrença dos personagens a respeito dessa mudança de Cássio é um reflexo ou a mesma dos atores sociais na vida real. Mas, Deleuze (1992, p.21) diz que “é preciso pensar em termos incertos, improváveis [...] nenhuma bicha jamais poderá dizer com certeza ´eu sou bicha`”. Certamente, quando a sexualidade escapa das convenções e pressões sociais, tudo é possível porque ela traz o germe da predisposição plástica ou bissexual. Nesse imaginário, o gay nunca se interessa por mulher, e por isso mesmo, como se diz popularmente, é incapaz de “dar conta do recado”. Enfim, o sujeito efeminado ou com “visibilidade do estigma” (GOFFMAN, 1988), isto é, com trejeitos que denunciam sua preferência sexual, nunca teria a mulher na condição de objeto sexual. A cultura e, por vezes, a ciência tentam categorizar a sexualidade de modo estanque ou cristalizada, cujos territórios, heterossexual e homossexual, não se tocam ou se misturam. Há uma dificuldade, quase generalizada, para aceitar, como literal, a decantada expressão de que “o amor não tem sexo”.

Assim, a união desses parceiros no teledrama ou no contexto da realidade, anteriormente díspares, é perfeitamente provável. Uma vez que a relação do casal não está sendo desenhada com base nas configurações estereotipadas de macho dominante e da fêmea submissa, mas num mosaico de novas interações que o relacionamento ratifica. Porém, os casos verídicos são condenados à invisibilidade ou clandestinidade por não conseguirem se inscrever nos códigos sociais e, por conseguinte, raramente não sucumbem. A representação social tem a sexualidade no enquadre de categorias polarizadas, nas quais o sujeito heterossexual é tido como normal, e o homossexual é considerado anormal, e as demais variáveis estariam no registro da indefinição etc. Daí, a cisma de que a bissexualidade demanda da homossexualidade não assumida.

Nessa lógica separatista, o sujeito casado ou com parceira fixa não transaria com o mesmo sexo. Como se o hábito da penetração vaginal fosse sacrossanto e, por isso, tão fortemente determinante que legitimaria, para sempre, a masculinidade como ativa e heterossexual. Em decorrência dessa macheza, o máximo que se imagina é que esse indivíduo na cópula com outro homem estenda a sua função de penetrador. Ou seja, o homem que comprovou publicamente sua vivência sexual com o sexo oposto não teria desejo pelo pênis do outro, pela prática do felátio e de se permitir passivo. Nessa perspectiva, Bozon (2004) salienta que, em várias culturas, e também no Brasil, na relação sexual entre homens, os ativos não são tachados de homossexuais, isso não afeta a sua masculinidade.

Do mesmo modo, também julga que o homossexual assumido ou dito passivo teria ojeriza à mulher. É verdade que há homossexuais que não suportam a ideia do feminino na condição do seu objeto sexual, sentem asco. Mas esses são os indivíduos que Costa (1994) chama de homossexuais heterofóbicos. Neste contexto social, ainda se associa a homossexualidade à imagem estereotipada do homossexual “passivo” com a “visibilidade do estigma”. Logo, homossexuais musculosos, másculos ou viris, igualmente “passivos” ou versáteis (ativos/passivos), mas com “fachada” - equipamento expressivo intencional ou inconsciente empregado pelo indivíduo durante sua representação (GOFFMAN, 1985) -, por conta dessa imagem, passam incólumes à discriminação social e ao “crivo”1 de identificação das parceiras.

Esta cultura tende a supervalorizar a primeira experiência como inesquecível ou mais marcante: “o primeiro beijo”, “o primeiro amor”, “a primeira relação sexual” e outros. Porém, apesar da atual liberalidade, nessa tão badalada primeiríssima vez, nem sempre se tem o melhor. É a experiência da vida sexual ativa que faz perder o medo e adquirir as habilidades na busca e intensificação do prazer libidinoso. Na sua primeira vez, o adolescente está tão preocupado com o seu desempenho, e curioso de “examinar” as partes íntimas da parceira, saber como é o orgasmo dela etc., que não relaxa, muito menos consegue manifestar algum sentimento romântico. Devido ao imperativo internalizado de que tem de ser macho, vivencia a aflição de não se sair bem, de não conseguir ter ereção e potencial para sustentá-la. Esse nível de exigência de tão elevado torna a experiência assustadora, assim o iniciado não consegue perceber a garota ou mulher além de um corpo, de um objeto a ser explorado. Por vezes, nessa situação, comporta-se como “elefante em loja de cristais”. Seu compromisso maior é de certificar-se da sua competência viril, de afirmar sua masculinidade para si mesmo e, de preferência, também anunciar para o mundo. Tudo isso que lhe será restituído em segurança e elevação da autoestima de ter se saído, dessa “prova de fogo”, vitorioso.

A menina, ansiosa para corresponder, se tortura em dúvidas: “Será que ele gostou do meu corpo?”, “Será que ele vai me desejar depois disso?” etc. E isso não é à toa, ela foi instruída a segurar o próprio desejo para intensificar o do outro; de que seu valor consiste em não parecer vulgar ou fácil. Embora machista, a afirmativa de Schopenhauer (2004) de que o amor do homem diminui sensivelmente a partir do momento em que obtém a satisfação na parceira. Apesar do modernismo - na realidade, por vezes, é apenas um verniz -, ainda tem como frequente essa herança dos seus avós. Ou seja, a caça pela suposta excitação da novidade. Na verdade, a eterna busca do macho por prazeres mais intensos e mais desprovidos de vínculos.
Mas o fato de os homens terem mais liberdade sexual não significa dizer que isso, prontamente, os torna mestres desse saber ou arte. A maioria tem como modelo de aprendizagem revistas e filmes pornográficos. Assim, acham que basta ligar um “botão” aqui, outro acolá para que a “máquina de sexo” esteja pronta. Muraro e Duarte (2006) salientam que os homens hoje dão muito pouco tempo à intimidade para que a mulher possa conseguir ter o orgasmo. Diria que, em especial, quando a relação é casual ou oportuna, o sujeito não tem referências, afinal, são corpos desconhecidos, tentando fabricar prazeres, instantaneamente, negociados (SILVA, 2007).

Alfred Kinsey (apud Garber, 1997, p. 29), com base na sua pesquisa realizada em 1948, com 12 mil homens e 8 mil mulheres, construiu a seguinte escala, que considera a frequência da prática: “1 - predominantemente heterossexual, apenas incindentalmente homossexual; 2 - predominantemente heterossexual, mais do que eventualmente homossexual; 3 - igualmente heterossexual e homossexual; 4 - predominantemente homossexual, mais do que eventualmente heterossexual; 5 - predominantemente homossexual, apenas incidentalmente heterossexual; 6 - exclusivamente homossexual”. O interessante é que Kinsey flexibiliza para o sujeito 1, a possibilidade da experiência homossexual, o que não é permitido ao sujeito 6, ou seja, sem chance para a relação heterossexual.

Isso reforça o julgamento da experiência homoerótica como determinante, cujo contexto social profetiza que depois da mesma o sujeito não mais consegue segurar seus impulsos ou direcioná-lo para outro objeto. Assim, uma vez gay... Mas, como dizem Berger e Luckmann, (1997), a sexualidade é de natureza plástica, ou seja, tudo nesse campo é possível. Estar nos polos extremos 1 e 6, certamente tem mais a ver com a questão cultural, pressão ou convenção social maniqueísta de um gênero ter, compulsoriamente, como objeto sexual, o seu oposto. Freud (1989) e CUCCHIARI (1996) questionam que o interesse sexual restrito dos homens pelas mulheres exige, de alguma forma, esclarecimento, uma vez que a heterossexualidade exclusiva consiste numa restrição à sexualidade. Esse mesmo questionamento, certamente, também caberia à homossexualidade!

Em relação ao homossexual, em particular o passivo, há uma cobrança de fidelidade ou de não permissividade a essa condição, ao passo que o indivíduo inserido na prática da heterossexualidade, uma vez que ativo na relação com outro homem é, como foi visto acima, de algum modo aceitável. Em razão disso, esse sujeito, comumente, não se reconhece gay e o social assim o encara. Entretanto, segundo Mantega (apud FRY, 1982), trata-se de um preconceito forjado pela cultura e introjetado pelos indivíduos de mentalidade machista que, ao desempenharem o papel sexual ativo, acreditam-se excluídos da homossexualidade. Como diz Badinter (1992), ninguém ousa zombar de quem faz o papel ativo. Mas, a depender do ângulo de percepção, essas condutas se confundem, pois, falar em comportamentos passivo ou ativo é semelhante a decidir se um copo com água até a metade está meio cheio ou meio vazio (SCHAFER apud GRANÃ, 1996).

Alguns homossexuais “passivos”, por não corresponderem ao papel socialmente esperado do macho, acham que têm de, necessariamente, apresentar a “visibilidade do estigma”. Assim, incrementa neste imaginário, o estereótipo de que o gay “passivo” é sempre “bandeiroso”. Hoje, cada vez mais aumenta o número de gays que recorrem às academias de ginástica etc., porque o físico bem definido chama a atenção, e ao mesmo tempo em que os músculos encouraçam uma provável expressão de delicadeza. Esse tipo, mesmo que “passivo” ou versátil (ativo/passivo), torna praticamente impossível colocar sob suspeita a sua “heterossexualidade”. Ele não frequenta ambiente público específico, a exemplo de bares e boates GLST, pois abominam efeminados; e sua vivência homoerótica se dar na clandestinidade das saunas, ou fazendo contato anônimo através de sites gays. Por não apresentar a visibilidade, parece convicto de ser heterossexual. Portanto, sua exigência mais premente é de que um parceiro em potencial, assim como ele, tenha as mesmas características masculinas.

Talvez o sujeito que polariza sua sexualidade, paradoxalmente é aquele que tem mais consciência da vulnerabilidade dos seus impulsos. Portanto, abraça o determinismo de que o homem terá como objeto sexual a mulher e vice-versa, com base do fato que considera essa conduta como natural, normal porque deixa explícita a reprodução. Para Tisseron (2002), a ideologia de “complementaridade do homem e da mulher” alimentou atitudes perigosas e segregadoras em todo século XX. Segundo Richards (1993, p.122), “não importa o que a Igreja pudesse dizer sobre sexo, havia uma tolerância social generalizada da atividade sexual masculina pré-marital e extraconjugal no mundo medieval”. Este autor acrescenta que o rei Filipe Augusto (1180-1223) incentivava a prostituição em Paris, para desencorajar a homossexualidade entre os estudantes. Na Florença do século XV, por causa do adiamento do seu casamento, os rapazes solteiros acima de trinta anos eram sujeitos à taxação pelo Serviço de Decência (Onestá).

Em virtude disso, é possível deduzir que, não sendo o cidadão direta ou indiretamente pressionado a seguir determinado tipo de conduta sexual, ele poderia examinar com mais cuidado o seu verdadeiro desejo sexual. Assim, talvez, tendesse reproduzir a conduta do grego antigo que tinha na pulsão um único desejo que era direcionado para aqueles que são kalós (belos etc.), independente de serem machos ou fêmeas (FOUCAULT apud SILVA, 1999). Ou seja, o indivíduo relacionar-se-ia com quais se sentisse atraído, por algum razão anterior ao fato de terem na sua fisiologia pênis ou vagina. O fator de atratividade deslocar-se-ia do gênero, isto é, de uma particularidade para o todo, certamente valorizando mais o objeto do desejo enquanto pessoa.

Atualmente, artistas e congêneres, cuja declaração bombástica de uma possível vida sexual divergente não prejudica sua carreira profissional, revelam desejos que surpreendem, por vezes, pela contradição das imagens, por meio das quais se tornaram conhecidos. Os exemplos seguintes apontam nessa perspectiva. O cantor porto-riquenho Ricky Martin (2009, p. 81), de 37 anos de idade, disse: “Meu coração pode pertencer a homem e a mulher”. Nessa linha, só que mais provocativa, a atriz americana Megan Fox (2009, p.156), de 23 anos de idade, diz que foi apaixonada por uma stripper russa chamada Nikita, e que “ela tinha um cheiro gostoso de baunilha”. E acrescenta que gostaria de namorar a Angelina Jolie. Por sua vez, a Jolie (2004) - antes de se encher de filhos adotivos e biológicos - confessara que transava com mulheres, e que sabia satisfazê-las.

Até onde isso se constitui num jogo de marketing ou não, é improvável determinar, mas a verdade é que esses indivíduos revelam outro desejo, ou seja, aquele que não está no campo da ordem: homem x mulher e vice-versa. Nessa perspectiva, até a ninfeta brasileira Yasmin Brunet (2008, p.23), assim se manifestou: “Eu viraria lésbica em tempo integral. Angelina Jolie é a mulher mais sexy que existe”. Esta fala deixa subjacente a possibilidade, eventual, de uma relação com qualquer mulher sexy, mas assumiria a totalidade rendida a mais sexy. Parece que muitos têm a percepção da sua atração pelo mesmo sexo, mas colocam como leitmotiv os atributos especiais do outro, em razão dos quais assumiriam sua porção homossexual ou bissexualidade, até então, resguardada. Entretanto, essa possibilidade nunca sugere de ser ativada por iguais circulante no seu entorno. Estes sujeitos, somente assumiriam as sexualidades “desviantes” pelo outro que tem mais beleza, sensualidade etc.

Em outras palavras, embora o desejo manifesto pelo mesmo sexo, a priori,os remeta a um universo de seres livres, rebeldes, revolucionários, contestadores, a frente do seu tempo. Porém, a manifestação desse desejo homoerótico está atrelada, por “coincidência”, aos modelos que, além dos adjetivos acima citados, possuem bastante fama e riqueza. Isto, certamente, os redimiria da culpa de ter rompido a barreira que separa a heterossexualidade da homossexualidade. Liberar seu lado lésbico por qualquer uma não seria tolerável ou aceitável, mas por uma Angelina Jolie! Todas as mulheres que assim se declare seriam, por conta dos atributos da atriz, compreendidas, perdoadas. Nessa ótica, estranho ou condenável seria resistir. Como alguém ousaria!2 Portanto, uma pseudoabertura, pois deixam implícito o preconceito sobre as homossexualidade e bissexualidade, dado que somente a partir da posse de estímulos especiais seriam permitidas ou liberadas. Em suma, uma barganha da própria conduta sexual.

Contudo, tanto o senso comum quanto alguns autores colocam em dúvida a bissexualidade. No entender de Nasio (2003), a atividade bissexual não é o reflexo da bissexualidade natural, mas, certamente, a expressão da homossexualidade, uma vez que as pulsões homossexuais triunfam sobre o ecletismo bissexual. Então, segundo essa premissa não haveria bissexual? Por que a homossexualidade seria tão poderosa a ponto de eclipsar a heterossexualidade? Na realidade, os sujeitos que se dizem bissexuais, geralmente mantêm como predominante o relacionamento heterossexual. Assim, podem arriscar “transgredir” ou adentrar o território do mesmo sexo, como se a conduta heterossexual fosse a sua verdadeira identidade.

Daí, mesmo que o desejo da homossexualidade ou bissexualidade seja explicitado e/ou concretizado, eles têm uma parte maior da sua sexualidade, no caso a heterossexualidade, fincada no reconhecimento e na legalizada social. Ficaria assim: são sujeitos heterossexuais que devido a sua modernidade ou por ser “cabeça”, transitam sem complexo nas sexualidades tidas divergentes. E todos, devido a sua história pregressa, confiam na base sólida da sua heterossexualidade, ou não creditassem essas falas, ou ainda dissessem: eles são do meio artístico, assim sendo, podem tudo. O contrário não é verdadeiro, o sujeito experiente na prática da homossexualidade que transite ou tente “caminhar” na heterossexualidade, assim, dificilmente será considerado bissexual, muito menos heterossexual, mesmo que essa investida pareça radical como ocorreu com o “bofe escândalo” Cássio, pois as pessoas sempre tendem a suspeitar de blefe.

Como a novela é uma obra aberta, não se sabe até aonde, verdadeiramente, vai o desejo sexual do “bofe escândalo”. Nessa relação em foco, não há segredo ou perigo iminente de ser descoberto, não se trata do gay usando “fachada”, isso o desobriga do papel estereotipado do atribuído maridão que domina e protege a esposa. A Léa sabe, sem reserva, da vida pregressa do companheiro, talvez seja essa liberdade, ausência de tensão, que tenha facilitado o emergir, da até então reprimida virilidade do Cássio. Ela tem ciúme da sua criatura, como a maioria das mulheres tem dos parceiros, em especial, em relação às suas ex. Essa mulher deslumbrada nina o namorado como a um menino, sobretudo com dengos que lhe são mais plausíveis. Mas que mal há nisso? O impacto tem a ver com a estrutura machista, na qual é mais familiar ou tradicional, o inverso: o homem apaixonado, geralmente bem mais velho do que a parceira, que é todo solícito aos seus caprichos.

Ao longo de alguns capítulos, sinais têm apontado na direção do interesse de André (RICARDO DUQUE), manifestado por meio de jantares sofisticados que são oferecidos a Cássio, em nome do casal. Caso o Carrasco não seja resiliente à pressão preconceituosa sobre a emissora, e degringole esse romance. Ou seja, se por ventura eles venham a se envolver, isto denotaria que a paixão de Cássio por Léa se deu como espécie de surto - ou de que o gay não mantém o desejo pela mulher por muito tempo - que, passado o efeito de encantamento material que o enlace lhe trouxe, ele volta para seu reduto. Aliás, no início do seu relacionamento, teve o protesto agressivo dos seus amiginhos igualmente afetados, e que a parceira, de imediato, providenciou em afastá-los.

Finalmente, o público perde a oportunidade de ver efetivada uma das suas múltiplas variedades de arranjos com as quais se engendram as sexualidades para atender necessidades singulares. É perceptível nesse casal um diferencial que vai além da satisfação sexual e das grifes, há uma dinâmica prazerosa e lúdica que fortalece seu vínculo e aumenta sua paixão, eles comungam algo cada vez mais raro nos dias de hoje: verdade, ausência de segredo. Atire à primeira gracinha “rosa chiclete” o casal tradicional que consegue, ao menos, vivenciar a metade dessa transparência.

Livro do Autor Valdeci Golançalves


NOTAS:

1. Aspado porque o famoso sexto sentido da mulher, neste aspecto, dificilmente se engana, mas por gostar do parceiro, e esperar, secretamente, que o mesmo um dia lhe possa ser exclusivo, ela faz-de-conta que não percebe. No entanto, essa atitude não a impede de sentir-se insegura.
2. A mesma análise é valida para ícone masculino.

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