Dinheiro não traz felicidade, mas ajuda a sofrer em Paris! (Anônimo). Quando adolescente fui acometido pela febre da paixão em dose dupla. Isto é, pela professorinha de francês, loura de cabelos longos e estirados; e pela França, em especial por sua capital, Paris. Essa emoção pueril que me fazia, me Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
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Lama na Cidade Luz (Paris)

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"Dinheiro não traz felicidade, mas ajuda a sofrer em Paris!” (Anônimo).

Quando adolescente fui acometido pela febre da paixão em dose dupla. Isto é, pela professorinha de francês, loura de cabelos longos e estirados; e pela França, em especial por sua capital, Paris. Essa emoção pueril que me fazia, mesmo sabendo a lição de cor e salteada, como diz o matuto: “Tremer feito vara verde”, diante do profundo azul dos olhos da mestra. Certamente, ela nem desconfiava de que todo aquele rebuliço tinha a ver com o meu investimento libidinoso na sua figura. Talvez, julgasse se tratar da minha timidez devido o sarcasmo da turma. É sabido que adolescentes, entre seus pares, não perdem a chance de ser implacavelmente perversos em suas críticas. Esse anseio pela educadora se diluiu, naturalmente, quando mudei de colégio. Mas, o fascínio pela ville de Sartre e Beauvoir continuou, e meu encontro com a mesma somente veio se concretizar bem mais tarde, quando já me encontrava agraciado pelo tempo, com alguns fios de cabelos brancos.

Este frisson pela França sempre contrariou meu pai que, para ele o Brasil é o melhor país do mundo, e o exterior, seja ou não a Europa, na sua santa ingenuidade, é sinônimo de guerra. Eu tinha receio de me declarar publicamente pela cidade mais verde do mundo. Isto me fazia sentir meio que traidor da pátria mãe gentil, e também não queria ser visto como metido à besta. Descobri na Cultura e nos cursos de língua da universidade outros amantes que mantinham, na surdina, este segredo de Estado. Percebi, então, que eu não era exclusivo, e sim, mais um dos cúmplices do mesmo “objeto de desejo”.  Isto, de certa maneira, me ajudou a perder o constrangimento de deixar escapar meu francês com “bico”. Eu vislumbrava a famosa Paris como o tipo ideal de vida urbana, baseado no princípio filosófico da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” que se propagou da França e que a tornou, entre outros, conhecida em todo planeta pelas suas grifes, seus perfumes, seus queijos e vinhos.

Tenho restrição a pacote “turismo convencional”. São grupos de pessoas que, me perdoem, parece mais um amontoado de crianças deslumbradas e ao mesmo tempo assustadas, sob a vigília de um guia, com hora marcada para tudo. Não queria a Paris maquiada expondo seus melhores atributos, e sim de cara lavada. Desejava “abraçá-la”, “cheirá-la”, me sentir um pouco parisiense. Inicialmente, pensava em viajar com um dos amigos, mas, justo quando eu estava disponível, eles não podiam ou não estavam a fim dessa odisséia. As minhas férias sempre coincidiam com o frio europeu. No sentido literal da expressão, eu não tinha mais que esperar por tempo bom. Resolvi ir sozinho, ou melhor, acompanhado de Deus. Para aliviar a ansiedade, estive antes com a outra, Lisboa, que apesar de menos badalada a velha cidade é cheia de encantos e beleza. E até porque, tenho carinho e respeito imensos pelo povo lusitano que sugere um semblante de inocência que me comove. Pena que os lisboetas, em geral, mesmo consumindo nossas músicas e telenovelas, quase como devoção, não sejam cordiais ou receptivos conosco. Pois, nos discriminam feito peste bubônica, como se todos os brasileiros que por lá estão não seja a passeio, mas para tomar-lhes os empregos.

Enfim, não via o momento de realizar à tão almejada oportunidade de pisar no solo francês, cujo Rio Sena, generosamente, cuida de dar-lhe uma atmosfera romântica e meio provinciana a ilha de Saint-Louis. Talvez seja porque à água que não nos deixa esquecer o quanto é banal, vulnerável, fluída e líquida a vida. Isto é, queira quer não, nas suas infinitas idas e vindas, ela espelha essa condição que em potencial nos humaniza. Mas, que sempre, naufragamos na disposição em supervalorizar a estética corporal, o fio metal, o pragmatismo e a lógica da razão. Retornando, especificamente, a minha pessoa, contava, ainda, com um item a mais de satisfação, estava feliz por realizar este sonho através dos meus esforços, fruto do meu trabalho, sem me prostituir, sem ser desonesto, ou dever um centavo a ninguém. A contagem regressiva parecia tornar essa realidade que se descortinava um tanto surrealista. No aeroporto da terra de Camões, não tinha quem me beliscar. Pedir isso a um estranho pareceria loucura. E eu estava maluco mesmo, a ponto de não sentir fome e, assim, contrariar o adágio popular de que “a paixão não enche barriga”.

Ao chegar à Paris, no hotel, já tarde da noite, nem desfiz as malas. Numa tara danada me mandei para a Torre Eiffel. Coberta de luzes brancas flamejantes, de longe parecia feita de diamantes. Um espetáculo, uma coisa maravilhosa! Linda, incrivelmente linda. Porém, ao me aproximar notei que havia lama na sua base. Frustrado, com esta imagem, me perguntei: Como pode um dos principais cartões postais da Cidade Luz se encontrar neste estado? Além do mais, é quase impossível contemplar, em paz, esse monumento. Um bando de camelôs cerca os turistas e, numa irritante insistência, praticamente os forçam a comprar. Bem no estilo ambulante do comércio e feiras livres do Nordeste, salpicam barraquinhas de sanduíches e crepes, e o que é pior: vendedores de refrigerantes gritam seus preços. Vendo tudo isso, meu castelo de perspectivas começou a ruir. Desnudava-se o calcanhar de Aquiles do centro da moda. Punha-se em marcha um processo desolador de desmistificação da cidade que até Hitler, num dos seus raros surtos de sanidade, reconheceu o seu belo e a poupou da destruição.

Na minha segunda noite, a trezentos metros do hotel, no Arco do Triunfo, quando pedi indicação de uma rua a um rapaz, fui roubado, isto mesmo, roubado. Ele, imediatamente, quis saber da minha procedência: You from?(sic). Num primeiro momento tive dificuldade de entender, pois não imaginava que alguém, em pleno “coração” napoleônico, não fosse falar na língua vernácula, mas, logo em quê! Inglês que eu detesto. Esta impressão foi desfeita, em 2003, quando estive em Londres, Hill e Liverpool, gostei daquela sonoridade. Com exceção da música e do cinema que o anglo ajuda a dá o clima romântico e/ou dramático, conclui que insuportável para mim é o sotaque americano. Voltando ao tal camarada, o mesmo parecia eufórico em repetir: Brézil, futebol, carnaval. Do nada apareceu um outro, seu comparsa. Se um por um lado, eu pré-sentia uma cilada, e conversei com eles como se não sacasse a provável má intenção, mas, procurando me manter afastado; por outro, havia uma luta interna para não reconhecer a situação como uma ameaça. Esse mecanismo automático, diria de sobrevivência, me “segurou” para não ser tomado pelo desespero. Eles se diziam italianos, e que éramos irmãos de idioma e de futebol. Um dos sujeitos, o de estatura mais baixa com quem falei primeiro, fazia umas mugangas dizendo que era futebol. Eu rebati, por várias vezes, afirmando que aquilo era capoeira. De repente ele bate de leve e simultaneamente em meus ombro e perna, e em seguida aponta para o endereço que eu procurava.

Mais adiante, por pura intuição, resolvi abrir a pochette - que é cafona, eu sei, porém útil pela sua comodidade -, e a carteira de cédulas havia sumido. Meio que sonâmbulo, portanto confuso de que atitude tomar, dei alguns passos em direção ao hotel. Aí escuto uma voz atrás de mim. Era o outro malandro, o mais alto, com a tal portefeuille na mão, dizendo que a deixei cair. Com a cara fechada de chateação e decepção, não o agradeci, apenas lhe disse, obviamente em francês, que aquilo era muito bizarro. Para minha surpresa a mesma estava intacta, com cartões de crédito, meia dúzia de tíquetes de metrô e uma pequena quantia em torno de setecentos e cinquenta francos. Na época, o Euro ainda não estava em circulação porque alguns paises resistiam em adotá-lo como moeda nacional. Depois do acontecido, por alguns minutos e de uma boa distância, os observei conversando e gesticulando, perfeitamente reintegrados à paisagem anterior a cena do furto. Fiquei tentado a voltar e convidá-los para ministrar no Brasil curso do tipo “como roubar light”, para infames que matam por um par de tênis e que às vezes nem levam o sangrento produto. Os de colarinho branco, estes, sem dúvida, não precisam porque são “doutores”.

De manhã cedo, para me arrefecer do impacto liguei para uma moça africana, de 29 anos, alta, feiosa, meio desajeitada, mas bastante simpática que a conheci no vôo Lisboa-Paris, e que ela já morava no La Défense, havia uns seis anos. Esse telefonema calhou como constatação de que tudo aquilo não era efeito de um curto circuito, no meu imaginário, derivado das alterações de fuso horário. Ela disse para eu tomar cuidado porque a cidade estava muito perigosa. É verdade, estava. A própria não demorou muito para ela mesma dá prova disto. No outro dia nos encontramos, fazia muito frio, eu estava de luva e ela sem, e por isto caminhávamos de mãos dadas e levantadas à altura do tórax, e bem juntos para aquecê-la. Chegamos num prédio praticamente vazio, de imediato não me dei conta de que era estacionamento, sem dizer nada ela deu uma olhada panorâmica e rápida, e pareceu não rastrear o que procurava. Fomos, então, para um outro, este mais distante e mais deserto. Eu ainda continuava com a sensação de que ela queria vê alguém, talvez para me apresentar, mas, também, não lhe perguntei do que se tratava. Entramos. Agora ela esboçara um sorriso como se tivesse achado o que eu não conseguia enxergar. Num dobra de parede, sem aviso, ela avançou em mim com um ímpeto canibal para transar ali mesmo.

A priori, tomei um choque. Mas, devido talvez a alguns resíduos machistas, tentei lhe aplacar a abstinência sexual. Porém, os imprevistos e alerta de perigo me deixaram escaldado, assim, para evitar risco, já saia para rua, providencialmente, “saciado”. Numa retrospectiva para compreender sua atitude, recuperei algumas falas. Quando ainda dentro do avião, sobrevoando as montanhas cobertas de gelo na Espanha, assim que nos conhecemos, sobre meu ânimo de procriação: “Você gosta de criança?” (Respondi que adoro.). A sondagem, por duas vezes: uma no ar e outra em terra, da minha condição civil: “Você é solteiro?” (Disse que sim.), e logo em seguida: “Você é um homem bonito” (Na sua ótica, o que me deixou lisonjeado, e agradeci.).  E continuou: “No Brasil tem muita mulher bonita que vejo nos filmes e novelas, então por que você é solteiro?” (Esta que foi um pouco antes do ataque, me irritou, e ela pediu desculpa. Mas, mesmo assim, respondi que ainda não tinha encontrado a pessoa “certa”, e devolvi a questão: É você?). As perguntas associadas às repostas parece que se ativaram na sua cabeça como senha para me levar para cama, ou melhor, para o estacionamento.

Às vezes, viajo na ideia de ter um filho negro francês. E ela nem sonhava que engendro esta fantasia! Quando comentei este detalhe como uma amiga, ela disse: “E então, por que não a encarasse pelo teu oportuno ideal de paternidade?”. É, mas a nossa quase mania de limpeza e sensibilidade para os odores, não permitem extravagância. Assim, a tentativa de estupro as avessas foi abortada, e meu rebento também. Na verdade, penso que toda criança só deve vir ao mundo em consequência do amor, e não do acaso ou da violência. Parafraseando o poeta, mesmo que este amor seja breve, porém eterno enquanto dure. As crianças que nascem dessa química, tenho uma crença meio louca (sem nenhum dado científico), de que as mesmas são sempre, se não as mais bonitas, as mais saudáveis. Enfim, esta situação me lembrou os delinquentes. Parece que durante essas maquinações ou conspirações, a “fita” pára, e depois volta ao cenário inicial ou ponto de partida. Como se nenhum conflito das interações humanas fosse capaz de borrar as feições desses cotidianos. A não ser que um prédio caia, um carro derrube uma árvore, etc., eles continuam a despeito das nossas felicidades ou dramas individuais. Nesse último episódio me deixei levar pelo cinismo, fomos tomar um drinque, e não se fez nenhum comentário. A única diferença, agora, é que eu tinha percebido, por baixo da sua espessa roupa de lã, uma blusa mais decotada, sensual.
Retornando as questões da cidade, num outro “cartão postal” presenciei uma turista canadense fazendo queixa de roubo à polícia. Identifiquei-a com esta nacionalidade pela pronúncia do francês e por causa dos seus acessórios com folhinhas vermelhas do outono, ícone daquele país que considero um exemplo de moral, de organização e crescimento, será? Meu sonho começou a ter flashes de pesadelo. Depois de uma segunda investida, quando eu passava, de volta, nas imediações do Moulin Rouge, na frente de uma casa de show de sexo explícito, um vendedor de bilhetes, me puxou bruscamente pelo blusão, e me esculhambou: Maricón! Maricón! Devido a minha negativa, em portunhol, de assistir uma dessas presepadas. Fui novamente tomado pela surpresa, mas desta vez revidei em alto e reles português, o que os transeuntes não entenderam bulhufas. Dizem que é na língua materna que se expressa melhor a raiva. Se não foi bem entendido, porém coloquei para fora toda a minha indignação.

Há sinais de extrema violência até nas ruas mais movimentadas de Paris. Destroços de motos e bicicletas em locais onde os larápios não conseguiram desatarraxá-las das travas. A cada metro quadrado que eu conquistava dessa metrópole, ela me revelava seu lodo físico e comportamental. Os garis com suas máquinas modernas não vencem a batalha sem fim de limpa e suja, isto nos pontos mais sofisticados, porque as grandes avenidas mais afastadas estavam entregues “as moscas” (com aspas porque realmente não as vi). Infelizmente, não somente os gringos, mas, também, os nativos se encarregam de emporcalhar tudo que é espaço público. E além do mais, era preciso fazer malabarismo para não escorregar nas “obras frescas” do melhor amigo do homem que, como verdadeiro xodó dos seus habitantes, tem passe livre para entrar em tudo que é lugar e com todas as atenções e honrarias.

Vi reboco desprendido no Louvre, “cachoeiras” que brotavam dos canos estourados no meio do asfalto, e um homem bêbado com “as vergonhas” de fora despejando o “combustível”, numa das estações de metrô a deixando ainda mais fedida. Ninguém protestava, apenas virava o rosto. E estranhei que no museu do sexo os visitantes esboçassem sorrisos marotos. Cadê a naturalidade com a qual dizem tratar a sexualidade? Minha atenção muitas vezes foi desviada das vitrines em virtude dos apelos das pedintes, moças, razoavelmente apessoadas, que se diziam vindas da guerra da Bósnia. Noutras, e nos mais diversos locais, eu fiquei pasmo com a resistência francesa de não se permitir estender a mão à esmola. Para eles é mais fácil ficarem tesos feitos estátuas com cartazes improvisados anunciando sua fome, ou tocarem instrumentos musicais, a exemplo de violino, ao lado de um cachorro a quem atribuem essa necessidade. Também se encontra pedintes, estes implícitos, nos toilettes dos aeroportos. Caixas de papelão cortadas ao meio são colocadas estrategicamente para esse fim. Assim, as descargas sanitárias parecem se confundir e se misturar com as míseras moedas que os usuários as deixam cair nesses recipientes. Ou seja, tudo naquele espaço reservado as necessidades fisiológicas já é ou acaba por simbolizar excremento, e explicitar uma cáustica realidade: a pobreza, quase franciscana, desses supostos funcionários que precisam recorrer a esse expediente, humilhante, para angariar alguns trocados. Aqui, no Brasil, pelo menos que eu tenha visto, usam dessa estratégia apenas nas rodoviárias. 
Porém, meu queixo despencou de vez quando presenciei um jovem, com aparência de classe média, comer do lixo na Boulevard St-Michel. Minha mente se recusava a acreditar naquilo que meus olhos e memória registravam. Tudo isto instalou uma torturante ruminação de me perguntar se eu estava, de verdade, no primeiro mundo, ou se não havia tomado o avião errado? A quem denunciar a propaganda enganosa e ser ressarcido pelos prejuízos? O trocadilho parecia lhe fazer justiça: Paris não é um luxo, mas, em muitos aspectos, um lixo. Por vezes a cidade me pareceu meio abandonada, em decadência, tomada pelos marginais, e, aparentemente, mal policiada. A capital francesa, essa idosa “senhora”, apesar dos seus sinais remanescentes de beleza, elegância e glória, me deu a impressão que agoniza. E a sua população fixa e flutuante, sem culpa e pudor a vampiriza ao máximo os gozos que lhe restam, sem pretensão alguma de alongar os seus dias, ou com a consciência de preservá-la como patrimônio para a humanidade.

A maioria dos parisienses me pareceu arrogante e mal humorada, muitos são mal educados, grossos mesmo. O estresse é visível nos seus rostos, eles quase não andam, correm.  Irritadiços, xingam no transito, e nem sempre são respeitosos com a Lei, param em cima da faixa de pedestre, sim. Essa história de dizer que é só botar o pé que eles param, é falácia. Há uma tendência para isso, mas se brincar é possível que, algumas vezes, eles levem não só o pé, mas o pedestre como um todo. Franceses de quase todas as idades fumam feito caiporas. Dependentes do celular, os quais não largam um só instante, tem um apego a essas geringonças como se tivessem recém descoberto a roda. Vai ver, nem os nossos caipiras ficaram tão embasbacados com a estréia do telefone móbile! Quanto ao hábito higiênico, isto é, a falta deste, choca os mais incautos. Com a mesma mão que se pega o dinheiro, segura e come o pão, e se este cair no chão, raramente terá como destino a lixeira.

A Paris romântica que sustentei na imaginação, não existe, mesmo assim, a Paris real tem magia. É deliciosa a sensação de liberdade, de ficar à toa nas suas avenidas chics; tomar coquetel nos bristôs da Champs Elysées vendo desfilar personagens exóticos similares aos de alta costura, e experimentar a infinita variedade de fragrâncias que nos perfumam a alma. Paris tem algo de indecifrável, um traço francês no jeito de ser e fazer as coisas, a criatividade sutil do bom gosto, às vezes nem tanto subliminar, que faz o diferencial. É isto que me encanta e me instiga a enfrentar e, quiçá, desafiar a Esfinge. Antes de ser um desejo de consumo, acredito que, para um educador, estudioso do comportamento humano, a experiência de conhecer outras realidades consiste, no mínimo, num modo de se equipar de outras competências, para avaliar e reavaliar antigos e novos parâmetros em construção. Nesse sentido, o Velho Mundo se apresenta como um excelente mosaico para esse laboratório.

A mídia internacional e também a tupiniquim, tão bem exploram as mazelas dos latinos tanto quanto enaltecem e cultuam as qualidades americanas e europeias. Dentro do território nacional, o simples fato de ser estrangeiro é conotado de valor, de seriedade e de elevada cultura e intelectualidade enquanto isso, no exterior, o brasileiro dificilmente consegue se desvencilhar do persecutório ideário de que todo compatriota está vinculado ao futebolístico, à prostituição e ao banditismo. Tratam-nos como cidadãos de quinta categoria. Sempre tive a suspeita de que essa minha paixão pelo torrão europeu, em particular ao francês, era uma fuga proporcionalmente inversa às decepções com esses brasis: A má distribuição de renda e administração pública, a falta de ética do povo e da política, não é à toa a absurda quantidade de políticos, reconhecidamente corruptos ou em pendência com a justiça, que estão sendo reeleitos. E depois nunca entendi como uma gente tão esperta para os carnavais, etc., geralmente não tem a mesma energia para o trabalho e a força para reivindicar os seus direitos.

Finalmente, sempre questionei do quanto somos superficiais, e adeptos da Lei do menor esforço, e de como tudo aqui se resolve no “jeitinho”. E que não faz sentido atribuir as nossas dificuldades ao gigantismo continental do país, como se isto significasse ser improdutivo e ingovernável, e, muito menos, de considerar que o descaso moral, quase generalizado, seja herança de caráter dos degredados colonizadores. Serão precisos ainda quantos séculos para nos expurgarmos? Mesmo que, infelizmente, o Brasil ainda tenha tais características, aprendi o seguinte: Antes de criticar tão incisivamente a nossa “terrinha”, de dizer que isso ou aquilo é, pejorativamente, “coisa de brasileiro”, penso duas vezes porque  a Europa que conheci não é nenhum primor de Civilidade.

Livro do Autor Valdeci Golançalves