Em 2003, a BMG, gravadora de Chico na época, lançou o documentário em DVD. Lá estavam todas as canções, com algumas extras e um retrato do país na visão de Chico. Para mim, tudo muito atual. A mesma indignação ao rever as imagens, o mesmo prazer ao ouvir as canções.
Ao tratar do período do Milagre Econômico em sala de aula, deixo escapar uma análise sobre o duro período da repressão, da tortura reinante no país de então. Inevitavelmente falo de Chico, das canções censuradas, do exílio, das perseguições, de Zuzu Angel. Convido os alunos para vermos o documentário, de forma a compararmos o país da delicadeza, com o outro atual.
Surpreendo-me. O vídeo não mais empolga. As imagens que para mim chocaram tanto são banalizadas, incorporadas ao cotidiano, não mais o da TV, mas o das ruas, do medo, do caos a que somos obrigados a conviver. Não dizem mais novidades, não chocam, não inovam, parecem datadas. Uma aluna diz ter apenas observado as diferenças de roupas entre uma e outra época. A música também não chama a atenção, refletem críticas de um tempo que já não é mais o nosso. Para o bem e para o mal.
Não me de decepciono, embora fique receoso de ter decepcionado. Aprendo com aqueles jovens muito mais sobre a cotidianização da barbárie, com a crueza do nosso dia a dia. Compra de votos, mesmo que em centenas de milhares de unidades monetárias, não assustam, não trazem indignação... Parecem ser todos iguais, portanto quem corrompe não parece ser o único nem o pior violão. Pode ser até absolvido, pode ser até o mais votado.
Passo a comparar agora três países distintos. O da delicadeza, com bossa nova, poesia, oportunidades, inclusão social. O da perda da delicadeza perdida, com indignação, violência, reação e indefinições. E o atual, de cotidianização da delicadeza perdida, de perda de perspectivas, de incapacidade de se indignar. O país da falta da poesia cotidiana, da ausência da canção. O país de muita esperança, mas de poucas concretizações. O país do futuro do pretérito.
Coincidentemente vimos o documentário um dia depois das eleições para presidente e governador em nosso estado. Acho que saímos todos com a sensação de uma noite frustrante. Para os estudantes, por não terem visto quase nada de novo, alguns até preferindo a aula tradicional. Para mim, por ter constatado que o tempo passou e que me choco ainda com o que não mais remove montanhas, que ainda sonho projetos, já há muito varridos no primeiro projeto de brisa. Não perdi a capacidade de me indignar, coisa que anda tão fora de moda por aqui. Para todos os presentes, pela falta de perspectivas e alternativas, ao olharmos para o futuro da Paraíba e do país, apesar de acabarmos de eleger os nossos novos velhos governantes.
Agradeço a Adam, Daniel, Danilo, Débora, Érika, Flenya, Gislaide, Gláucia, Isabel, Leonia, Meriane, Rozangela, Tallys, Tiago e Willian, pela noite de decepções, descobertas e de nostalgia por um tempo de delicadeza que se torna difícil imaginar que de fato possa ter existido.