No Livro Branco de Hattori Tohô (FRANCHETTI et al., 1996) o autor remonta à origem mítica do Japão para afirmar a antiguidade da poesia nipônica e do haikai: “O haikai é uma forma de canto. O canto existe desde o início do céu e da terra”, (FRANCHETTI et al., 1996, P. 09). Tohô justifica que através do canto Susanô-no-Mikoto (Todas essas nuvens / que se acumulam / no céu de Izumo / parecem muros / construídos para nos abrigar), já na idade dos homens, as trinta e uma medidas (sílabas) se definiram, pois na época dos deuses as medidas não eram fixas. E assim passou-se a se chamar de waka.
Na poesia antológica imperial do século X e XII, existiam os poemas longos, os naga-uta ou chôka, com versos ilimitados de 5/7 sílabas, terminados por um dístico de 7-7 e os tanka, poemas curtos compostos por cinco versos no esquema 5-7-5-7-7. Até o século XVI, o tanka era a forma mais utilizada e a palavra waka, que até então designava amplamente toda a poesia japonesa, passou a ser usada como sinônimo de tanka.
Nos tanka antigos a divisão estrófica era entre o segundo e o terceiro verso ou entre o terceiro e o quarto versos. A divisão que se tornou clássica do tanka é composta por um terceto de 5-7-5 e um dístico de 7-7.
De acordo com FRANCHETTI (1996, p. 12), com a ambientação palaciana de toda a literatura clássica japonesa, o tanka passou a ser composto por duas pessoas: uma compunha os três primeiros versos, o hokku (estrofe inicial), e a outro os outros dois, o wakiku (estrofe lateral). É atribuído ao diálogo de Yakamochi (718-785) e uma monja o primeiro tanka composto desta forma. Disse a monja (FRANCHETTI et al., 1996, p. 52):
Represadas estão as águas
Do Rio Saho
E todo o campo plantado.Replicou Yakamochi:
Colhido o arroz precoce,
Eu o saberei usar bem!
Por essa composição dialogada, a relação entre as estrofes se tornou distinta, sendo raras as suas relações. Quando isso acontece, considera-se que o tanka é de segundo nível. O seu valor está na justaposição direta de imagens, onde a shimo-no-ku (estrofe de baixo) apresenta um tipo de comentário do clima geral estabelecido na kami-no-ku (estrofe de cima). Essa distinção das estrofes pode ser observada no tanka de Minamoto no Toshiyori (1055-1129) (FRANCHETTI et al., 1996, p. 11):
Minha velha aldeia
Sob as folhas vermelhas caídas
Aos poucos vai desaparecendo:
Nas samambaias do beiral
Como sopra o vento de outono!
Observamos que ambas as estrofes têm sentido completo, ou seja, são independentes, conseguimos perceber através da leitura duas imagens. Acentuada essa composição, teremos então um novo gênero, a renga, em que os mestres enfatizarão que a beleza desta forma de poesia está principalmente no encadeamento e na relação entre suas partes. O auge da renga acontece no século XV e tem como mestre mais conhecido Sôgi (1421-1502), que compôs uma das mais belas renga clássicas (FRANCHETTI et al., 1996, p. 13):
Fim de tarde:
Ainda há neve e as encostas da montanha
Estão cobertas de névoa.
As águas correm pra longe,
Junto à aldeia perfumada de ameixeiras.
Shohaku
Com o passar do tempo, a renga foi submetida a novas regras que, aos poucos, foram descaracterizando-a e transformaram este gênero em mera atividade cortesã. Passou-se a ser um poema coletivo, com suas principais regras eliminadas e aceitando o uso de palavras chinesas. Ganhou, então, o nome de haikai-renga (versos ligados “cômicos”, divertidos, informais) e sua popularidade se deu entre a classe dos comerciantes, soldados, monges e até nobres, em situações informais.
Espalhou-se pelos principais centros urbanos do país e no século XVI. Agora denominado haikai, tem seus próprios mestres, com suas escolas e suas divergências quanto ao novo gênero. Duas foram as principais escolas: A Teimon, que almejava elevar o haikai, cujo mestre era Teitoku (1571-1613), e a Danrin, que usava termos vulgares, humor corrosivo e inconveniência, liderada por Sôin (1604-1682).
Diante da rivalidade dessas escolas e ainda com uma herança negativa de outros mestres, o haikai só se tornará um gênero consolidado com Matsuo Bashô (1644-1694). Comentaremos sobre este poeta em um tópico adiante.
Quanto à palavra “haikai”, a mesma poderá aparecer de modos diferentes: haiku, hokku, haicai, hai-cai, hai-kai, haycay, hay-cay. Optamos pelo uso de “haikai” por este ser, de modo geral, o mais usado – o mais abrangente e exato do que haiku, e por respeito à tradição francesa e portuguesa (FRANCHETTI et al., 1996, p. 51), e optamos ainda por usá-la sem denotação, escrita em itálico ou com aspas, pois ela já está inserida na linguagem brasileira e inclusa nos dicionários.
Por esse estudo, vimos que o caminho do haikaipode ser resumido da seguinte forma:
- Canto > waka > tanka > renga > haikai-renga > haikai.
Segundo CLEMENT (2004), no período Nara, aproximadamente de 710 a 794 depois de Cristo, os poetas japoneses, que foram influenciados pela poesia chinesa, praticavam o uta, que significa “canção”, forma adaptada da poesia chinesa composta de quatro versos, transformada em cinco versos na poesia japonesa. Mais tarde, o uta passou a se chamar waka, que virou o tanka.
Após seis séculos, o tanka passou a se chamar tan renga, (tanka composto por duas pessoas). Sob a influência deste formato, os poetas adicionaram novas estrofes e criaram um poema mais longo que passou a ser chamado apenas de renga. Neste período, surgiu Basho, que primeiramente foi um mestre da renga, poesia que tinha um caráter humorístico.
Basho praticava a renga com seus discípulos durante suas viagens. Chamou a primeira estrofe de hokku, e a segunda estrofe de haikai. Desta forma, transformou o hokku, acrescentando-lhe características da natureza e de seriedade, o que o tornou mais profundo.
No final do século XIX, o hokku ganhou nova roupagem quando outro mestre, Masaoka Shiki, passou a chamar o hokku de haiku, combinando “hai” de haikai e “ku” de hokku. Com o tempo, este termo se popularizou e se tornou uma forma independente do renga.
Diante dos estudos de CLEMENT (2004), temos uma perspectiva da seguinte forma:
- Uta > waka > tanka > tan renga > renga > hokku/haikai > haiku > haikai.
Referências:
FRANCHETTI, Paulo; DOI, Elza Taeko; DANTAS, Luiz. Haikai. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996.
CLEMENT, Rosa. O Haicai e Suas Teorias. Manaus, 2004. Disponível em http://www.sumauma.net/haicai/haicai-teoria.html. Acesso em 21 mar. 2007.
Obs: Este texto foi extraído do TCC “O HAIKAI EM SALA DE AULA”, de Alvaro Mariel Posselt, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, junho de 2007.