Toda situação de laboratório é arterial, mas, quando científico deve ter o rigor no controle das suas variáveis para evitar, ao máximo, interferência nos seus resultados. Ou seja, se busca a utópica e perseguida neutralidade dita axiológica. O Big Brohter não deixa de ser um laboratório humano, porém triplamente artificial pela própria condição de laboratório; pelos participantes, enquanto “objetos”, que passam por um processo seletivo cujos critérios estão de acordo com a conveniência do que a emissora julga necessário para o momento; e, durante o tempo de confinamento no programa, esses indivíduos são manipulados com a finalidade de atingir um objetivo pré-estabelecido: alcançar os mais elevados índices de audiência. Esta, por sua vez, é traduzida em lucros para fazer valer o investimento. Isto é, a parcialidade não é total porque tem a interatividade do telespectador.
“O espetáculo é um arremedo de realidade, mas de tal forma convincente que a realidade tem que rivalizar com ele se quiser ser reconhecido como tal – realidade” (BAUMAN, 2000, p. 74).
Bauman (2000, p.110) diz que “a TV é guiada por índices de audiência e velocidade, mas a rapidez e a audiência de massa são inimigas do pensamento”. Esta afirmativa vem a calhar com as variadas formas de entretenimento da televisão, inclusive o Big Brohter Brasil. Nesta sua oitava edição, para assegurar audiência, a articulação se tornou ainda mais atuante do que nas anteriores. A implantação do big telefone, de voz planetária, soa a qualquer hora para dá uma boa notícia ou uma sentença de Paredão, não livrando nem que quem o atende. Desse modo, tem-se agora um Paredão triplo com os habituais condenados indicados pelo líder e pela “casa”. Assim intensifica a tensão, uma vez que eliminação é o fator mais preocupante que preenche de alarido aquele cenário. O Anjo também mudou, não é mais somente o mensageiro da paz e do amor, adquiriu feições humanas: pode enviar um brother para o paraíso e outro para o inferno. Flaubert deve ser avisado, “anjo” só não “fica bem em amor e em literatura”, mas em Big Brothertambém. Enfim, a produção está com mais poder para aditivar a audiência.
Na ótica de Duarte (2004), o indivíduo pós-moderno não é uma pessoa consciente, livre e autônoma, mas uma existência anônima. Assim sendo, há uma necessidade de reconhecimento das pessoas, cuja ausência, segundo Heidegger (apud OLIVEIRA, 2006), seria equivalente à morte. Ou seja, “a invisibilidade é insuportável, quiçá pior, porque é um existir sem ser visto” (OLIVEIRA, 2006, p.19). Daí o desespero para aparecer diante das câmeras, uma vez que, como diz Berkeley (apud BAUMAN, 2000, p.110), “ser é ser visto na TV”.
Para alimentar a ilusão, e atiçar a curiosidade, a inscrição do BBB é aberta ao público em geral, mas os escolhidos, quase sempre, já têm, pelos menos, “a pontinha do pé” no meio artístico, e espera-se que em cada edição surta alguma revelação. O Big seria a ante-sala ou uma espécie de estufa para adubar possíveis brotos de talentos, mas que raramente vingam. Afinal, se investe nas cascas vistosas e não na qualidade das sementes. Os participantes querem a chance da visibilidade, mas para mostrarem o quê? A maioria tem apenas o corpo escultural que aperfeiçoa ainda mais na infinita ociosidade na “casa”. Com tantas caras de pau para não demonstrar jeito nem para figuração, assim sendo, independente de qualquer outro ganho, esta exposição, por si só, já se constitui um prêmio. São celebridades nacionais instantâneas, e que vão perdurar enquanto famosos nas suas localidades de origem. Como diz Boorstin (apud BAUMAN, 2007, p.68), “celebridade é alguém conhecido por sua característica de ser bem conhecido”.
Toda casa, por mais simples que seja, tem uma estante com meia dúzia de livros, ou um cesto num canto com algumas revistas. Na verdade, a “casa” Big é uma forjada academia de ginástica, sem nenhum estímulo à leitura. Mas, não é de estranhar, pois, mesmo em programa infantil, quando esse instrumento do saber aparece é desviado da sua função, a exemplo da Xuxa Meneghel que se apresenta sentada numa pilha de livros virtuais. Na estilizada casa/academia há espelhos espalhados por todos os cômodos, o que permite que seus moradores sejam, é claro, observados as vinte quatro horas do dia. Mas isto também atende a uma outra necessidade, a de que os brothers se exibam e se excitem com a própria imagem neste templo de culto ao físico. Ou seja, “a tela da televisão se tornou hoje uma espécie de espelho de Narciso, um lugar de exibição narcísica” (BOURDIEU, 1997, p.17), o protótipo da “era do vazio” (LIPOVETSKY, 2005). Muitos não desfilam neste espaço sem que não façam, diuturnamente, a sua “oração”, isto é, que não deixem de dá uma ajeitada no visual ou conferida de que todos os milímetros estão no lugar.
O Big Brother Brasil nem se quer trocou a expressão em inglês, dessa ideia que nasceu na Holanda, em 1999, por meio dos sócios produtores de TV Joop Van Den Ende e John De Mol1 - daí a empresa Endemol que retém os direitos autorais -, inspirados no projeto americano Biosfera 2 (uma abortada tentativa de reproduzir uma miniatura do planeta terra), e que vários países compraram. Os vizinhos argentinos chamaram os habitantes da sua “casa”, mais modesta do que a carioca, de Los Hermanos. Como seria um título em português: Os Anjinhos do Pau Oco? Os Hipócritas? Os Mascarados? Interessante é que muitas das marmotas que ficam fora do páreo “seletivo” parecem mais engraçadas do que as contempladas. Entre rostos e corpos que não dizem nada, preferível alguma verve para o escracho. Estes, porém, de alguma forma, também têm sua vez. Para deleite do público são incluídas em outros programas do próprio canal ou segmentos fechados da emissora, etc. Logo, se os excluídos não vivenciam uma apoteose ou overdose de exposição, no entanto, alguns terminam confirmando a profecia do americano Andy Warhol, dos quinze minutos de fama.
Num dos programas passados estenderam a chance de duas vagas para quem quisesse ariscar a sorte pelo telefone. Uma sortuda além de fugir totalmente do padrão da “casa”: jovem, bonita, sarada, glúteos arrebitados, seios turbinados, passou mal e teve de ser substituída por outra sorteada, também, via telefone, por coincidência um pouco melhorada. Considerando que a sorte, às vezes distraída, sorri para feio/a, velho/a, gordo/a ou obeso/a, etc. Esta inovação foi fiasco porque não tinham o menor controle de quais tipos de figuras entrariam na “casa” fossem “monstros” ou beldades. Para evitar o choque do real com a nave platinada, a entrada de possíveis moradores indesejáveis, gente simples sem currículo de academia ou de salas de cirurgia, foi brecada. Uma vez que, lá dentro não poderia ser desapropriada, essa segunda porta de acesso à “casa” foi, definitivamente, bloqueada.
Para fazerem jus ao justo princípio bíblico de ganhar o sustento com o suor dos próprios rostos lindos e corpos maravilhosos, os moradores são obrigados a batalhar pela comida. Não podia ser de outra forma que não do seu exaltado potencial: o físico. Esta batalha, geralmente se dá em atividades, as quais instigam correr e escorregar em alguma substância colorida, viscosa que possa precipitar algum lance de partes mais íntimas, para que, depois de bem untados, ressaltem as formas. Mas há também momentos perversos, por vezes, a “feira” não é suficiente ou é apenas básica. Assim, ao passo que um grupo, em razão da sorte ou esforço de ter ganhado extra em alguma competição, saboreia delícias que chegam de fora, o outro grupo fica humilhado diante dessa visão de fartura do bem bom. Mas, nunca a tal ponto de que não tenha o que comer como é, ainda, a realidade de boa parte da base piramidal da sociedade brasileira.
Em relação aos afetos masculinos sugere uma evolução, os homens se permitem aos abraços e beijos de cumprimentos, e, em quase todos os programas tem os que fazem pactos de fidelidade, parece que até de sangue já foi feito. Estabelecem vínculos tão instantâneos com promessa de uma amizade profunda e eterna, e se tratam melhor do que bons irmãos. Entre as mulheres, tidas como mais afetivas, embora se toquem e se abracem mais do que os homens, não celebram declarações de que sejam amigas para sempre. Por que os brothers fincam esses pactos carregados de tanta emoção? Talvez pelo fato de que os homens têm dificuldade de lidar com situações de vulnerabilidade, e por isto buscam apoio fraternal, paternal nos seus pares. Mas, não deixa de ser curioso esse intimismo e cumplicidade em exemplares de um país preconceituoso e tipicamente machista.
As provas para líder, salvo engano, são de resistência, e as de anjo são por sorteio ou outra qualquer atividade, mas ambos, geralmente, de tão criativas deixam qualquer criança jardim de infância blasé. Quando tentam passar alguma mensagem, esparramam no alvo. Neste BBB-8 dois confinados travestidos de mosquitos da dengue (aedes aegypti) tinham a tarefa de retirar água das garrafas, pneus e colocar areia nas plantinhas, enquanto isto os demais moradores da “casa”, sem fazerem nada, ficavam às gargalhadas. Quando é que o mosquito destrói as condições ideias para sua proliferação, contribuindo, assim, para o seu próprio extermínio? Seriam mosquitos suicidas? Somente uma mente “brilhante” para concretizar a ideia de um desses desserviços.
Mas, neste laboratório, é interessante observar, como ou até quando os confinados mantêm a dignidade, a ética, a franqueza e a solidariedade. Os conchavos que fazem e como estabelecem as afinidades. Já que à solidão do vazio é a sua constante, com todos ou boa parte dos integrantes presentes na “casa”, mesmo que tentem preencher com visitas de celebres, festas, etc. As eliminações apenas concretizam ou deixam mais evidente o que já existe: o deserto humano. Embora já tenha tido finalista com conteúdo, mais isto faz parte da exceção à regra, o que predomina são os “vasilhames” para “ouro”, “prata” e “bronze”.
No dia a dia da “casa”, as paixões (amor, ódio, raiva) se dimensionam ou se potencializam, e chegam ao seu limiar de tolerância, de alterado estado emocional, nos dias que antecedem Confessionário e Paredão. Assim, uma boa dose de emoção real e muito de histerismo, para se mostrarem, é a tônica nas noites de paredão. Os sentimentos com a saída do parceiro/a são sempre ambivalentes, por um lado, a felicidade e o alívio por não ter estado no paredão ou por ter se livrado dele, e, por outro lado, o pesar pela morte simbólica do eliminado/a. Além da saudade remetida pela visão das famílias, amigos, etc., dos emparedados. Estes, em especial, regridem e, assim, choram compulsivamente o desespero de crianças perdidas quando reencontram seus pais.
O Big mobiliza emoções, e é curioso como sua característica de jogo
é negada o tempo todo. Os integrantes sofrem por esquecerem que estão num divertimento no qual não investiram quase nada. Somente se perde o que se tem. Mas eles entram nesse passatempo, praticamente, apenas com o corpo e a cara. Portanto não há nada a perder além de expectativas, porque já devem se considerar vencedores pelo recorde das horas de fama, mesmo que, logo após, se transformem em estrelas cadentes. Afinal, “não há nada tão transitório como o entretenimento e a beleza física, e os ídolos que os simbolizam são igualmente efêmeros” (KLIMA apud BAUMAN, 2003, p.65).
Embora nem sempre traga visibilidade, os jogos de loteria, etc., com base em uma quantia irrisória, também visam o ganho fácil, mas ninguém condena. A diferença, é que os brothers, atrevidos, têm a ambição de ficarem ricos e famosos. A questão não é o Big Brother enquanto entretenimento, mas a pecha de usarem unicamente como passaporte o físico, em cabeças de maioria obtusa. Embora para Freud (apud RORTY, 2007, p.77), “ninguém é inteiramente obtuso, pois não existe inconsciente obtuso”. Mas, num país tão carente de cultura o Big é mais um programa que, com tantos recursos investidos são consegue passar algo mais instrutivo.
As verborréias circulantes abundam o dia a dia na “casa”. Muitos dos confinados falam errado, são desprovidos de escolaridade elementar. A parte os momentos específicos de tensão, afetação e emoções, somente uma paciência de monge budista para ouvir tantas abobrinhas, falação2 ou merda. Frankfurt (2005) questiona o falador de merda se, pela própria natureza, ele seria idiota desmiolado? Ou, seria seu produto necessariamente sujo ou grosseiro? Enfim, “a palavra merda com certeza sugere isso. O excremento não é de modo algum projetado ou elaborado; é apenas emitido ou descarregado” (FRANKFURT, 2005, p.27 - grifo do autor). Com exceção das famílias dos confinados, o que é perfeitamente justificável, fica difícil de entender como alguém assina o pay-per-view? Ou seja, como um cidadão consegue suportá-lo além do seu tempo estrito de exibição?
Como são notórias, as emoções no Big Brother são exacerbadas, porém o desejo sexual cada vez mais, a cada programa é mais enfraquecido. Parece até que, em virtude do narcisismo se satisfazem plenamente com o prazer da própria imagem. As mulheres, apesar de exibidas e desinibidas, se mostram nesse quesito mais contidas, deixam transparecer que a falta de sexo não as deixam ansiosas. Isto é, reforçam a ideia de que homem não pode ficar sem sexo, coisa que elas tiram de letra, ou melhor, no samba, rock, funck, etc. No cerimonial hollywoodiano de estréia da “casa”, por várias vezes, as primeiras falações na mesa giram em torno das confissões das sisters de terem ou não silicone nos seios. Esquisita esta necessidade de revelar esse detalhe, como se de tão embutido não fosse imperceptível a “olho nu”. As mulheres reclamam quando são tratadas como objetos sexuais, mas não perdem a chance de colocar em avaliação os seus dotes naturais ou adquiridos.
No Big atual, num rompante de “estrema criatividade” jamais visto, as garotas puseram espuma de barbear nos seios desnudos para encenaram uma coreografia bem pebinha, com a intenção sensual de provocar os rapazes que estavam na piscina. Eles apenas olharam e se entre olharam meio marotos. Para que desperdiçar tal “dom artístico” se é uma “casa” assexuada? Eles parecem cordiais demais, e não os legítimos latinos conhecidos por seu suposto aflorado apetite sexual. Se ocorresse uma transa, debaixo do edredrom, é claro, que mal teria isto? Imoral é a corrupção, a fome, criança pedindo esmola, gente morrendo na guerra ou por bala perdida, etc., e não a manifestação do “amor” e/ou tesão. Não se trata, aqui, de algum desejo voyeurista de bacanal no Big Brother, o que se questiona é essa postura puritana que contradiz o vigente comportamento sexual descompromissado.
Hoje, garotas de treze, quatorze anos dormem com o namorado na “casa” dos próprios pais, e todo mundo sabe, se tornou uma praxe, em alguns casos, ninguém nem estranha se também houver rotatividade. Nas festas ou, como os paulistanos gostam de dizer com a boca “cheia de língua”: ba...la...das, os adolescentes beijam quem estiver a fim ou a quem tiver oportunidade. Fazem questão da quantidade para, depois, contabilizar o número de beijo. Certamente quem ostentar esse “troféu”, por questões obvias, é a boca mais rica, ou seja, em média com “250 bactérias”(FRANÇA, 2001). Muitos jovens, mesmo com os desconhecidos/as destas noitadas, não apenas “ficam” nos beijos e amassos, mas vão até vias ditas de fato.
No penúltimo programa uma participante, metida à ingênua, sempre encobria a boca com a mão quando beijava o namorado. Ou seja, no geral, nestes realitys shows brasileiros, em termos de sexualidade é um convento, a libido parece sempre está enclausurada, cujas sisters são todas noviças comprometidas com Deus. Neste big, os brothers, mais “inocentes” do que bezerros desmamados, depois de tantas pelejam, quando conseguem um “beijo francês”, a torcida vibra em gol. Como se tivessem rompido os grilhões da castidade. Para Lukacs (2005, p.204), “a hipocrisia se evidencia na diferença entre o que as pessoas dizem e o que fazem, ou entre o que pensam e o que dizem”. Porém, como toda esta pureza as moçoilas não deixam de dançar de modo provocativo. Aliás, depois da “boquinha da garrafa”, quase toda dança brasileira mais do que sensual, passou a ser sexual, e coreógrafa movimentos de cópula das mais violentas.
A sexualidade nesse confinamento, ou melhor, a não existência da mesma, contradiz estudo mundial que aponta o brasileiro no topo do ranking das populações que mais transam (CARVALHO, 2006). Se esta conduta sexual dos brothers, de fato, fosse natural o futuro populacional do Brasil estaria ameaçado. Como diz Frankfurt (2007), toda sociedade deve ter um mínimo de apreço pela utilidade infindavelmente multiforme da verdade. Este recato não corresponde à verdade, até porque são pessoas adultas, geralmente viajadas, e sob forte estímulo sexual do contexto.
Segundo Pontes (apud OLIVEIRA, 2006), há uma associação feita pelos portugueses - certamente pelo estrangeiro em geral (acréscimo e grifo nosso)- entre as mulheres brasileiras e o sexo. Nessa perspectiva, os jogadores de futebol e sua malandragem junto às mulheres bonitas, espontâneas, exibidas e liberadas sexualmente formam o par estrutural a partir do qual são representados os brasileiros. Porém, as mulheres são representadas de maneira mais pejorativa, como prostitutas, uma vez que carregam o estigma do sexo e da malandragem (OLIVEIRA, 2006, p.18).
Em relação à mulher, apesar do excesso que forma o lastro no qual empiricamente sedimenta o estereótipo, este se deve ao grande número de brasileiras que sobrevivem da prostituição na Europa, em particular na Espanha e na Suíça. Porém, o estrangeiro que assistir ao Big Brother Brasil, vai ficar confuso, o país da sensualidade, dos requebros, cujas mulheres são usadas como chamariz para atraí-los, são travadas? Possivelmente os gringos não vão mais querer enfrentar a violência, perigo de assalto, a não ser que se contentem com duas pernas do tripé: droga e rock`n`roll. As próprias famílias devem estranhar porque sabem que suas filhas não são “santas”, a não ser que tenham compactuado com a hipócrita construção da sua imagem casta.
Programas como o Big Brother, segundo Bauman (2004, p.110), insistem “em afirmar que este é um mundo duro, feito para pessoas duras: um mundo de indivíduos relegados a se basearem unicamente em seus próprios ardis, tentando ultrapassar e superar uns aos outros”. Mas esta, infelizmente, sem remorso é a prática mais comum e ativa no cotidiano da maioria das instituições, porém nem sempre visível. Talvez, diferente de outros telespectadores, o caráter superficial e oscilante do brasileiro, não tolere sobrecarga de realismo, ele quer ver no vídeo ficção, o Big Brother como um quadro de humor ou cópia de novela. Prova disto é que nenhum brohter que se mostre competitivo, sem escrúpulo, etc., como é, de fato, boa parte dos sujeitos na vida real, não tem à colhida da audiência.
Nos primeiros destes circos eletrônicos sem palhaço - para ser palhaço não é apenas se caracterizar - o prêmio era menor e os “guerreiros” eram mais competitivos e agressivos, hoje o prêmio engordou e eles procuram ser mais estratégicos. Aprenderam que a autenticidade, ou seja, que a verdade consigo mesmo que se baseia na ausência de contradição (HESSEN, 2003), no Big Brother não funciona. Para Frankfurt (2007, p.43), “precisamos da verdade não só para entender como viver bem, mas para saber como sobreviver”, esta sinceridade não tem guarida nesse picadeiro de operações, no qual o autêntico não se garante, logo é colocado no Paredão e o público “fuzila”.
Enfim, parece que o brasileiro não aceita show comprometido em respaldar ou reprisar a sua realidade, ou seja, ele quer diversão pura, fantasia, inconsciência para fugir das suas verdades. Nesse sentido, Suely Rolnik, de modo perspicaz, descreve:
Como destaca Bourdieu (1997), com bons sentimentos faz-se índice de audiência. A moral dos moradores platinados se confunde e/ou está de acordo como a audiência. Se aceita seios revoltos saltando dos sutiãs, displicência de biquínis, shorts ou sungas mostrando um pouco mais do que seus “cofrinhos”, mas namorar!? Somente similar ao pudico ano 60. Segundo Touraine (2007), a televisão de hoje nos mostra a realidade nua e crua: corpo que sangra, armas que disparam, o amor que se faz. Os dois primeiros itens é o trivial da paisagem urbana brasileira, mas o terceiro? No Big Brother Brasil, nem debaixo dos edredons. Para Lukacs (2005, p.204),“a hipocrisia talvez seja o vício espiritual preponderante das civilizações maduras”. Diria que das sociedades hipócritas e amorais. Por que a reputação de uma sister ficaria comprometida por causa de sua transa com o brother com oqual está envolvida?
Neste país de duas ou mais caras, por falta de permissividade não é, o apresentador, nas suas “aparições” na “casa”, não deixa de estimular: “Façam alguma ´coisa`”, “Agitem”, até insiste em lembrar que têm “camisinhas” na dispensa. Porém, ninguém avisou para o apresentador, e companhia que brohters brasileiros, iguais aos anjos, não têm sexo. Quem sabe daqui a dez anos quando o programa atingir a maioridade? Ou telespectador acredita que veio ao mundo apenas por obra e graça do espírito santo, anunciado por algum anjo de plantão!? O valor da pessoa não está na sua prática sexual. É paradoxal que o homem tido pós-moderno não lide com a sexualidade de modo natural, sem culpa, o que não significa vivenciá-la na vulgaridade ou promiscuidade.
A televisão, este aparelho eletro-eletrônico não é apenas uma janela para o quintal de casa, mas para o mundo, por meio da qual se têm feedbacks. O problema é que subestima a capacidade do telespectador oferecendo-lhe o que há de mais rasteiro. Os “intelectuais” não assistem o Big Brother, simplesmente o consideram fútil, e preferem jogá-lo no lixo. No entanto, o futebol é fútil, que de objetivo não acrescenta nada, mas é a paixão nacional, e todos aceitam. Mas por que o Big Brother sobrevive? Qual o seu fetiche3? Antes de qualquer fixação por corpos malhados, desejo de monitorar ou vasculhar a intimidade alheia, tem a sedução da imagem da Globo que, embora nem sempre corresponda à qualidade do conteúdo, não tem como negar o seu nível técnico de primeiro mundo.
Tem um outro aspecto que parece servir de âncora que é esse seu lado conservador de resgatar a família, trazê-la para os holofotes, e assim lembrar da sua importância. Não apareceu ainda nenhum brother sem família. As turras ou não, e com a família que é possível, de fato, contar. Não deixa de ser comovente as homenagens explicitas ou indiretas a essa surrada instituição, em especial, aos pais. A atual fragmentação da existência, desemprego, luta pela sobrevivência, etc., já não é tão fácil reunir a família em torno da mesa, e dividir anseios, decepções e conquistas. Assim, a bela e confortável “casa” BBB encarna o sonho de consumo da maioria dos brasileiros, e ainda suscita o arquétipo do núcleo familiar que a comunidade dos brothers representa. A dinâmica de pais e filhos que brigam, amam, rejeitam, etc., mas também fazem as refeições juntos e as compartilham, estes rituais cada vez mais raros nos dias atuais.
Votar pela saída de um participante indesejado ou insuportável, é se sentir membro da “casa”, o que se faria na sua vida se, de fato, tivesse esse poder e liberdade, bem como de se aconchegar e se apoiar naqueles que simpatiza. Nesta interatividade, com exceção do gozo sexual que é “interditado”, o telespectador se identifica e projeta suas vontades e necessidades, “vivencia” as alegrias, as dores e os prazeres de tudo que se passa na “casa”. Pelo exposto, o público, certamente, tem seus ganhos subjetivos e, dependendo do ângulo de visão, o programa Big Brother também pode servir para algumas reflexões, isto porque, de alguma maneira, reflete muitas das características da sua gente.
Finalmente, dos representantes das minorias oprimidas que foram hospedes da “casa”, já saíram vencedores: pobre, mulher e homossexual. Espera-se um milionário negro, mas que não siga o exemplo da ex-ministra Matilde Ribeiro, o dinheiro gasto por ela e outros, era do contribuinte. O vencedor do Big Brother não terá “cartão corporativo” (banana para macaco), se não tiver cuidado, em breve voltará a ser pobre. Numa afirmativa estranha para um cientista, Maturana (2006, p.122) diz que “a hipocrisia nos salva em muitas circunstâncias”. Mas parece que neste jogo, bem como na vida em geral, independente do ganhador, a Hipocrisia, sorrateiramente, tem sido uma incessante Vencedora.
1. Em entrevista à revista Época, mar, 2002.
2. O termo falação é também empregado, num uso muito mais disseminado e familiar, como um equivalente pouco menos vulgar de falar merda (FRANKFURT, 2005, p. 44 – grifos do autor).
3. A palavra “fetiche” é usada em português por influência da palavra francesa fétiche que significa feitiço (DUARTE, 2004, p.1 - grifos do autor). Ou seja, adoração de um objeto feito pelo homem ou pela natureza (Idem, ibidem).
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